UMA VIDA EM VERSOS COM REVERSOS - AOS SETENTA só SESSENTA DE POESIA
SECRETARIA REGIONAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA
1984
I
DE GRAU 8
INTROITO
A ser verdadeiro o aforismo - a dor é a madre da poesia - então eu só comecei a ser poeta em 1980, então, este é o meu primeiro livro de poesia, porque o primeiro gerado pela dor, nascido da dor, parido com dor, alimentado pela dor.
«De grau 8» é uma colectânea que engloba quatro livros: «De grau 8» - «Espaço Disponível» - «A Liturgia das Horas» - «Nocturnos». Exceptuando-se uma boa parte dos poemas do livro «Espaço Disponível» escritos nos anos da segunda metade da década de setenta, a que costumo chamar a minha cardiolírica[1] açoriana, todos os outros foram nados e criados na dor e pela dor.
Todos os poemas do livro «De Grau 8» não passam de um grito de alma incontido, ante a calamidade gerada pelo terramoto do dia 1 de Janeiro de 1980, um espelho mais ou menos fiel da dor própria e alheia, da dor que fui sentindo, um conjunto de ais que fui apanhando nos ares carregados dos múltiplos lugares em que muita gente anónima sentia na pele e sofria, pasmada, os resultados da catástrofe que assolara a ilha e que eu visitava duas vezes por dia, para fazer o levantamento das suas necessidades mais prementes e da forma como poderiam ser resolvidas. Durante três meses fui uma espécie de mensageiro e correia de transmissão entre a desgraça e as brigadas abastecedoras dos bens solicitados, que iam de um simples cobertor a produtos de mercearia, colchões, medicamentos… Bem poderá dizer-se que «De grau 8» é composto por um único poema feito de XXXI pedacinhos da grande dor colectiva provocada pela tragédia que, literalmente, desabara sobre as nossas cabeças, esmagando muitos, a todos irmanando de imediato numa comunhão de sentimentos, num gesto raro, espontâneo e arrebatador de solidariedade. «Degrau 8» nasceu como testemunho do terramoto de 1 de Janeiro de 1980 que assolou toda a Ilha Terceira, e muito em especial a cidade de Angra do Heroísmo, onde, ao tempo, morava, e como homenagem e preito às suas vítimas, ao heróico povo daquela ilha mártir. Daí se justificar a edição desta colectânea pela Secretaria Regional da Educação e Cultura dos Açores, em 1984, graças ao empenho do grande poeta, escritor, ensaísta e amigo Álamo Oliveira que, para além do mais, se encarregou da capa e do arranjo gráfico.
1980 foi para mim e para toda a família um ano trágico. Começou mal, acabou pior.
Desgastados pela incessante azáfama no apoio prestado às populações mais carentes, cansados de vivermos entre escombros, saturados de corpo e alma, ansiosos por retirar durante um mês os três filhos daquele pesadelo que muito os perturbou, tomámos como uma bênção, uma benesse o embarque para Lisboa nos finais de Junho, em gozo de férias, na companhia dos meus pais e irmãos que morriam de ansiedade por nos reverem, para mais depois do que passáramos e vivêramos. “Fugíamos” de uma catástrofe, viemos embater noutra bem mais trágica para a família.
Depois de quinze dias no Algarve, na companhia do meu irmão António, da Cândida, minha cunhada e do João, então uma criança de quatro anos, regressávamos nós a Lisboa, para no dia seguinte marcharmos com os demais familiares em romagem de saudade a Tabuaço e uns dias de descanso na casa mãe, quando, perto de Setúbal, a carrinha conduzida pelo meu irmão mais novo, o Artur Manuel, que se deslocara na véspera ao Algarve para ajudar a trazer a rapaziada e alguma tralha, foi esmagada por um autocarro e um automóvel ligeiro. Não vou descrever ao pormenor esse choque brutal, mas apenas dizer que do acidente resultou a morte do meu irmão, a do meu filho mais novo e graves e vitalícias sequelas nos outros dois filhos e no meu sobrinho. A minha vida passou a ser completamente outra. Nunca mais me sorriu. Tive de abandonar os Açores, para poder acompanhar os filhos a carecerem de cuidados médicos aturados. Vi-me obrigado a alterar todos os projectos e a reformular o meu modus vivendi. Vi-me destroçado. E assim fiquei para sempre.
Narro estes tristes acontecimentos como intróito para melhor se poderem compreender os dois últimos livros desta colectânea – A LITURGIA DAS HORAS e NOCTURNOS – ambos escritos nos meses imediatamente a seguir ao do acidente, com a alma a sangrar e o espírito perturbado.
Vou agora, trinta anos volvidos, dissecar os poemas destes quatro livros. Vou sofrer, mas eu nunca fugi ao sofrimento, já estou a ele habituado. Não sei se por ironia do destino, se por ser racionalista, positivista e um inveterado optimista, continuo, apesar de tudo, a amar e a sentir um forte apego à Vida.
André Moa
[1] Cardiolírica - palavra rica de significados e conotações, igualmente rica de sonoridades, sugestiva e plena de matizes, criação do poeta açoriano José Henriques Borges Martins e por ele utilizada como título de um dos seus múltiplos livros.
17 Comentários:
Às 21 de novembro de 2010 às 20:40 , Laura disse...
Amigo, Amigo querido!
Desta vez não sai verso nem poesia que saiba tocar teu coração se a dor é algo como uma agonia, que direi eu para atenuar a dor que sentes ao voltar a lembrar?
Mas a dor anda sempre rente a ti
desde esse dia jamais te deixou em paz
jamais te abandonará
vás lá por onde vás.
Não sei minorar a dor
não sei que palavras dizer
sei que mais vale estar calada
do que tentar compreender.
Porque a dor é de quem na sente
e não vale a pena tentar sequer
entender o que é
o verdadeiro sofrer.
Um beijinho, já me ofereceste esse livro em Tabuaço, e que lindos momentos me vieram à mente agora, sentada eu nas escadas a ler ao sol , tu numa cadeira a escrever nos ditos palavras de carinho para me ofertar!e ali falamos sobre a minha poesia dos tempos idos, e me ensinaste a poesia com as sílabas que já tinha esquecido! Obrigada querido Mestre (André) querido Moa.
Um beijinho da nina.
Às 21 de novembro de 2010 às 21:27 , Kim disse...
André
A poesia é o refúgio da alma. Da tua, brotaram apenas as palavras que o teu coração quis chorar. E fartas foram.
Põe cá fora o De Grau 8, para que se entendam os difíceis degraus da vida.
Grande abraço amigo
Às 22 de novembro de 2010 às 19:09 , Andre Moa disse...
Cara Laura,
obrigado pelo colinho.
Beijinhos
André Moa
Às 22 de novembro de 2010 às 21:10 , Andre Moa disse...
Caro Kim
De degrau em degrau, cá irão sendo editados os poemas do De Grau 8.
Abreijos
André Moa
Às 22 de novembro de 2010 às 22:46 , Anónimo disse...
Querido André!
Desde que chegaste ao mundo do SER, uma escada foi colocada no teu caminho. Poderias simplesmente té-la derrubado e caminhares passo a passo sobre ela. No entanto preferiste elevar o rumo da tua vida, subindo conscientemente degrau a degrau, fazendo de ti um homem sensível, com conhecimento, razão e fé, cumprindo a respectiva jornada.
È isso aí! A vida é uma escada rumo ao topo, onde tu caminhas sereno, mas não sózinho.
Chegaste á fase da escada de caracol, vais certamente tropeçar vezes sem conta, vês os degraus a aumentar, as curvas apertadas. Agora que a respiração fica ofegante precisas de apoio, procuras o corrimão da escada e continuas a subir, com a mesma força, garra, esperânça, coragem e confiança.
Um homem como tu, não se liberta de um hábito atirando-o pela janela, é preciso fazé-lo descer a escada degrau a degrau, e enquanto tiveres essa determinação, familia e amigos esse hábito vai permanecer vestido e no topo.
Duplos beijos
L&L
Às 23 de novembro de 2010 às 07:14 , Osvaldo disse...
Caro irmão;
Embora conhecendo toda essa tua história de vida, tanto contada por ti, como lida, nunca encontrei palavras para atenuar esse teu sentimento de dor, porque simplesmente palavras não há que atenuem esse sofrimento.
Eu diria até, que por respeito à memória dos que sofreram no corpo o que tu e a Teresa sofrem na alma, esse sentimento se faz presente.
Ao me sentir tão pequeno perante tanta coragem de vocês, só vos posso apertar num grande abraço de amizade e fraternidade e vos ajudar, se é que isso é possivel, a vencerem degrau a degrau até ao alto da vossa montanha.
Um beijo para a Teresa e um grande abraço para o meu irmão.
da Ana e Osvaldo
Às 23 de novembro de 2010 às 10:08 , Laura disse...
Degrau a degrau vais subindo
as escadas da vida
procurando não olhar para trás
quando ela é sofrida.
Degrau a degrau vais descendo
quando te faltam as forças
e na alma gritando
da vida a contrapartida.
Degrau a degrau seguimos-te
na cadência dos passos
na Amizade amor
que colhemos nos teus abraços.
Degrau a degrau acompanhamos-te
nas lições de vida que nos dás
todos queremos ver-te liberto
dessa prisão em que a vida te trás.
Degrau a degrau subimos contigo
as escadas da sabedoria
e pelo meio recolhemos de ti
as lições da vida!
E degrau a degrau queremos contigo
subir até aos píncaros do mundo
e sorrir ao ver tanto amor
que por aqui se vê correr!...
Do GT para ti, já que somos todos UM!
Às 23 de novembro de 2010 às 20:25 , Andre Moa disse...
Querida Luisa,
Sempre gostei mais de subir que de descer escadas. Subir exercita. Descer dá cabo dos joelhos. Mesmo em caracol. Mesmo como o caracol. Lenta, mas persistentemente. Para descer só o escorrega em caracol, que é o ai jesus dos escorregas para o meu neto.
Beijos triplos: para o pai, para o filho e para o espírito santo.
André Moa
Às 23 de novembro de 2010 às 20:31 , Andre Moa disse...
Caros irmãos Osvaldo e Ana,
Sabeis, quando a dor é deste tamanho, como bem dimensionastes, falar dela serve de catarse, de alívio. A pior dor é aquela que escondemos e remoemos, a sós, no silêncio de nós mesemos.
Obrigado pelo apoio incondicional que vós sempre nos dais.
Abreijos
André Moa
Às 23 de novembro de 2010 às 20:38 , Andre Moa disse...
Querida Laura,
Basta de colinho, senão, pões-me a chorar. Não é que seja daqueles homens que fazem tupo por não chorar. Mas podes estragar-me o rímel e não me convinha. eheheheh
Beijinhos
Às 23 de novembro de 2010 às 21:17 , Laura disse...
Rimel?
ah, bota p'ráqui um bocado
que preciso de retocar
o meu olhar deslavado
só porque estive a chorar.
A dor também é companheira
e visita-me tão amiúde
e eu mesmo que não queira
tenho de lhe ler o talmude.
Tenho de decorar
as palavras do Mestre amado
para ser paciente nesta vida
e ser capaz de cumprir o meu fado.
E por isso borrei a pintura
deixei secar o brilho do meu olhar
pensei que as lágrimas correndo
poderiam de novo meu sorriso avivar.
Assim; ensina-me a sorrir ó meu amigo
que hoje estou cansada de chorar
por querer ter em mim a nostalgia
de quando o meu coração sabia amar!
Beijinhos Moa, mas dou colinho com todo o amor, dou-te carinho sempre que puder, se não tivermos os amigos, que seria de nós?
Laura
Às 23 de novembro de 2010 às 21:50 , Concha disse...
A vida é feita em versos e reversos. Versos da vida triste e amargurada, das alegrias e da dor, que só nas entrelinhas se consegue entender. Heróico em todos os momentos, a precisar de colinho como o neto, é claro, ninguém é de ferro!
Chorar, rir, amar,
e ter amigos para dividir,
limpar as lágrimas quando preciso,
sorrir, saltar e cantar a vida
como se nada tivesse acontecido.
É este o Moa que conheço,
sempre alegre e prazenteiro,
por dentro continua chorando
e por fora continua brincando.
Às 23 de novembro de 2010 às 23:26 , Andre Moa disse...
Cara Laura,
não peças o que não tenho,
rimel não é para mim,
pois sem rimel bem me amanho,
deixei-o no camarim.
Abreijos
André Moa
Às 23 de novembro de 2010 às 23:30 , Andre Moa disse...
Queridíssima Conceição,
Que surpresa tão agradável! Como vai essa saúde? Nós bem nos podíamos juntar à esquina a tocar a concertina (da dor), a cantar a alegria do amor. Do amor ao próximo e ao distante, à saúde e à doença, à vida e à morte, já que é tão parecida a nossa sorte e a nossa força interior para tocar a vida sempre em frente.
Beijinhos, querida amiga.
Saúde. e vá aparecendo, sempre que puder e desejar.
André Moa
Às 24 de novembro de 2010 às 09:08 , Laura disse...
Moa!
Debaixo de camadas de tinta
tentamos esconder imperfeições
debaixo de camadas de rímel
não se vê debaixo da pele.
Há muito rímel à prova d'água
que não borra o rosto
podemos esconder as mágoas
mas não acabar com o desgosto.
Deixaste-o no camarim
mas que resposta acertada
deixa que eu vou bus-cá-lo
e aplico-o não tarda nada.
É que meus olhos cansados
desta jornada sem fim
deixam-me esgotada
de sentir o vazio de mim.
Da vida tão sem alento
em que erguer-me tento
mas o peso da mágoa é maior
e caio no desalento.
Mas nada que não se resolva
nesta sagitariana guerreira
terei forças para lutar por mim
nem que demore a vida inteira!
Moa, são pedacinhos de mim que ficam por aqui espalhados, sabes que não sou de teatro e sim de emoções e que as ponho a olho nú. Um dia ao leres de novo, vais ler o que agora não se entende!
Um abraço da mascote do GT, achei piada quando referiste que não posso faltar quando todos se juntam, já que sou a vossa Mascote, mas que cota velha para mascote...
Às 24 de novembro de 2010 às 17:57 , Andre Moa disse...
Cara Laura,
O rimel é todo teu,
se precisas de o usar,
não esperes pelo meu,
que ainda está por comprar.
Emoções a olho nu,
não são boas de mostrar,
é que a nu, vê lá tu,
bem se podem constipar.
Beijinhos
André Moa
Às 24 de novembro de 2010 às 23:23 , laura disse...
Ahhh, só tu meu rapaz para me fazeres rir agora que me vou deitar...
as emoções constipadas, ora pois.
Um beijinho e amanhã comento o post acima, tenho uma soneira...
laura
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