UMA VIDA EM VERSOS COM REVERSOS
SKYLAB
O ALFA E O ÓMEGA
O ALFA E O ÓMEGA
Aos setenta só sessenta de poesia
P(OVO)
EDIÇÃO DO AUTOR
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO DE JOSÉ DINIS
Outubro/1979
ÚLTIMOS POEMAS DE P(OVO)
SKYLAB[1]
skylab
skylava
skyleva
se cai massa
se cai amassa
se cai leve
se cai breve
se cai neve
ferro e aço
cair ou não cair
eis a questão
no mar
em terra
cai ou não?
mais aqui
ou mais ali
sobre mim
mais adiante
perto
distante
suspenso instante
skylab
se cai lata
se cai mata
skylab
nova espada
de Dâmocles
viva a suprema liberdade
de um laboratório voador
celestial
desintegrado
viva o horror
é bestial
é um achado
é um amor
ATONIA
na era musical em que dedilho
as cordas emperradas do meu ser
não sei o que fazer
som atónico timbre sem brio
eu atónito e a batuta
tardia no reger
NASCI COM A GUERRA
CANTO A PAZ[2]
nasci com a morte
pendurada ao pescoço
a guerra abri ao som
do primeiro vagido
espantei todas as bocas
na boca da minha mãe
nos seus olhos molhados
pressenti
as suas e as minhas dores
presentes e futuras
e as de outras mães
eu a nascer e tantos a morrer
ainda hoje sinto remorsos de ter nascido
como eles morreram - em vão
meu berço balouçava ao lado
da sepultura dos que haviam nascido
apenas vinte anos antes de mim
em mim por mim
mães pais
muita gente
muita terra
foram mártires
em vão me libertei
das armas ao romper
da aurora
esperaram por mim
no dobrar da esquina
próxima da idade
adulta
adúltera
antes de descobrir
a geometria
e o poder
de um categórico manguito
e a coragem para o desenhar
e assim me libertar
deste polvo tentacular
que me amarfanha
e não ficar preso
para todo o sempre
entre o ser e o não ser
vivo
TERRA-ILHA[3]
o que pode o povo fazer deste mundo
para não ir de todo e de vez ao fundo?
o que temos não é nosso
só nos deixaram o osso
terra-ilha terra-fosso
água até ao pescoço
o que pode o povo fazer deste barco
para fugir ao lodo para sair do charco?
temos ventos de verdade
temos braços de vontade
sangue nas veias que arde
em febrões de liberdade
que mais cedo ou mais tarde
hão-de erguer nova cidade
muito pode o povo fazer deste mundo
para não ir de todo e de vez ao fundo
O ALFA E O ÓMEGA
no princípio era a força
e a força estava com o átomo
nele estava a energia em movimento
e o movimento era a vida
quando o átomo ressurgiu
animado de força original
o primata fez-se força inteligente
esqueceu-se das origens
tomou consciência das suas capacidades
e assim se assumiu
na sua dimensão humana.
no princípio era a razão
e a razão estava com o homem e a mulher
e a razão era o homem e a mulher
tudo começou nela
e sem ela nada foi
nela estava o cogito
e o cogito era o logos
e o logos resplandece no ignoto
mas o ignoto não o admite
do cogito outros cogitos surgiram
e do logos outros logos
necessidades vitais
preparavam novos voos
novos logos
eis senão quando o homem e a mulher
se descobriram na dimensão do amor
no princípio era o amor
o amor estava com o homem e a mulher
o amor era o homem e a mulher
e sem ele nada foi
nele estava a existência
e a existência era a essência das coisas
e a essência na existência resplandece
da existência outras existências surgiram
e da essência outras essências
e do caos que a essência era
surgiu a alegria
o sacrifício e a dor
e a alegria era a dor
e foi a comunhão e o martírio
o mal e o bem
e a confusão foi maior
no coração do homem
e da mulher
a alegria fez-se medo
e o medo era o ídolo
e o ídolo a opressão
da opressão outros medos surgiram
e o domínio
e do domínio outros domínios
e do caos que o domínio era
surgiu o coro dos escravos
e a esperança foi gorada
logo outra esperança surgiu
outra esperança foi gerada
em masmorras e exílios
na pobre repartição
da angústia e do pão
onde a unidade foi
exemplificada
de correntes e grilhetas
carregada
começou
foi assim que iniciou
a marcha da libertação
no princípio a libertação
era o verbo
e o verbo se fez carne
e habitou no homem
e na mulher agrilhoados
e o verbo se fez acto
e foi um acto de amor
no alfa e no ómega
era a força do amor
Apontamentos anticancro 41
«Uma tarde, fui tomar chá com uma amiga, uma das poucas pessoas que sabiam da minha doença. Estávamos a conversar sobre o futuro, quando ela me disse, algo hesitante: “Tenho de te fazer uma pergunta, David…O que estás a fazer para tratar o teu ‘terreno’”? Ela sabia que eu não partilhava do seu entusiasmo pela medicina natural e a homeopatia. Para mim, o conceito de ‘terreno’ – de que nunca ouvira falar na Faculdade de Medicina – não se enquadrava na medicina científica. Respondi-lhe que estava a ser muito bem tratado, e que nada mais havia a fazer a não ser esperar que não houvesse uma recidiva. E mudei de assunto.
Lembro-me da alimentação que fazia na altura. Quando estava no hospital, para não perder tempo com o almoço, optava por algo que pudesse comer durante uma conferência, ou até no elevador. Quase todos os dias, almoçava chili com carne, pão branco e Coca-Cola. Em retrospectiva, esta combinação parece-me agora explosiva, ao associar farinha branca e açúcar, gorduras animais carregadas de ómega 6, hormonas e toxinas do ambiente. Nunca cheguei a mentalizar-me completamente de que, se tinha um cancro, era provavelmente porque havia algo no meu ‘terreno’ que permitira o seu desenvolvimento, e que eu precisava de cuidar de mim para reduzir o risco de uma recidiva. Até que o meu cancro voltou, exactamente no mesmo sítio.».
Do livro «Anticancro – um novo estilo de vida» - de David Servan-Schreiber.
[1] Este skylab – laboratório espacial – deu em desintegrar-se e gerou o pânico cá em baixo na terra, por se temer ser atingido pelos estilhaços em que podia transformar-se. Tudo está bem, quando acaba em bem. Final feliz. Nada de grave aconteceu. Nada de grave foi divulgado. O pânico amainou.
[2] - Este foi o único poema que escrevi dos vinte aos vinte e quatro anos , em quatro anos de tropa, no dealbar da guerra colonial em Angola, onde residia desde os dezoito anos, com os meus pais e irmãos. Tempo seco de poesia esse em que vivi de botas cardadas nos pés e de armas mortíferas nas mãos.
[3] Este poema foi escrito e publicitado, em 1973, na cidade Angra do Heroísmo onde exercia as funções de Magistrado do Ministério Público. Numa tarde de sábado, bate-me à porta da casa dos magistrados um grupo de quatro ou cinco jovens estudantes (lembro-me do Evaristo Picanço, do Paulo Araújo, do Lobão), perguntaram se podiam entrar, que me queriam mostrar uma coisa. Quando esperava receber alguma denúncia ou queixa, puxam de uma viola e começam a cantar uma música que tinham acabado de compor, com esta letra. Ri-me e agradeci a gentileza. Anos depois, soube, julgo que pelo próprio, que o Picanço a cantou com frequência, em pleno PREC, em várias campanhas e comícios da esquerda revolucionária, em muitos locais do continente, onde passara a residir, julgo que para continuar os estudos.
P(OVO)
EDIÇÃO DO AUTOR
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO DE JOSÉ DINIS
Outubro/1979
ÚLTIMOS POEMAS DE P(OVO)
SKYLAB[1]
skylab
skylava
skyleva
se cai massa
se cai amassa
se cai leve
se cai breve
se cai neve
ferro e aço
cair ou não cair
eis a questão
no mar
em terra
cai ou não?
mais aqui
ou mais ali
sobre mim
mais adiante
perto
distante
suspenso instante
skylab
se cai lata
se cai mata
skylab
nova espada
de Dâmocles
viva a suprema liberdade
de um laboratório voador
celestial
desintegrado
viva o horror
é bestial
é um achado
é um amor
ATONIA
na era musical em que dedilho
as cordas emperradas do meu ser
não sei o que fazer
som atónico timbre sem brio
eu atónito e a batuta
tardia no reger
NASCI COM A GUERRA
CANTO A PAZ[2]
nasci com a morte
pendurada ao pescoço
a guerra abri ao som
do primeiro vagido
espantei todas as bocas
na boca da minha mãe
nos seus olhos molhados
pressenti
as suas e as minhas dores
presentes e futuras
e as de outras mães
eu a nascer e tantos a morrer
ainda hoje sinto remorsos de ter nascido
como eles morreram - em vão
meu berço balouçava ao lado
da sepultura dos que haviam nascido
apenas vinte anos antes de mim
em mim por mim
mães pais
muita gente
muita terra
foram mártires
em vão me libertei
das armas ao romper
da aurora
esperaram por mim
no dobrar da esquina
próxima da idade
adulta
adúltera
antes de descobrir
a geometria
e o poder
de um categórico manguito
e a coragem para o desenhar
e assim me libertar
deste polvo tentacular
que me amarfanha
e não ficar preso
para todo o sempre
entre o ser e o não ser
vivo
TERRA-ILHA[3]
o que pode o povo fazer deste mundo
para não ir de todo e de vez ao fundo?
o que temos não é nosso
só nos deixaram o osso
terra-ilha terra-fosso
água até ao pescoço
o que pode o povo fazer deste barco
para fugir ao lodo para sair do charco?
temos ventos de verdade
temos braços de vontade
sangue nas veias que arde
em febrões de liberdade
que mais cedo ou mais tarde
hão-de erguer nova cidade
muito pode o povo fazer deste mundo
para não ir de todo e de vez ao fundo
O ALFA E O ÓMEGA
no princípio era a força
e a força estava com o átomo
nele estava a energia em movimento
e o movimento era a vida
quando o átomo ressurgiu
animado de força original
o primata fez-se força inteligente
esqueceu-se das origens
tomou consciência das suas capacidades
e assim se assumiu
na sua dimensão humana.
no princípio era a razão
e a razão estava com o homem e a mulher
e a razão era o homem e a mulher
tudo começou nela
e sem ela nada foi
nela estava o cogito
e o cogito era o logos
e o logos resplandece no ignoto
mas o ignoto não o admite
do cogito outros cogitos surgiram
e do logos outros logos
necessidades vitais
preparavam novos voos
novos logos
eis senão quando o homem e a mulher
se descobriram na dimensão do amor
no princípio era o amor
o amor estava com o homem e a mulher
o amor era o homem e a mulher
e sem ele nada foi
nele estava a existência
e a existência era a essência das coisas
e a essência na existência resplandece
da existência outras existências surgiram
e da essência outras essências
e do caos que a essência era
surgiu a alegria
o sacrifício e a dor
e a alegria era a dor
e foi a comunhão e o martírio
o mal e o bem
e a confusão foi maior
no coração do homem
e da mulher
a alegria fez-se medo
e o medo era o ídolo
e o ídolo a opressão
da opressão outros medos surgiram
e o domínio
e do domínio outros domínios
e do caos que o domínio era
surgiu o coro dos escravos
e a esperança foi gorada
logo outra esperança surgiu
outra esperança foi gerada
em masmorras e exílios
na pobre repartição
da angústia e do pão
onde a unidade foi
exemplificada
de correntes e grilhetas
carregada
começou
foi assim que iniciou
a marcha da libertação
no princípio a libertação
era o verbo
e o verbo se fez carne
e habitou no homem
e na mulher agrilhoados
e o verbo se fez acto
e foi um acto de amor
no alfa e no ómega
era a força do amor
Apontamentos anticancro 41
«Uma tarde, fui tomar chá com uma amiga, uma das poucas pessoas que sabiam da minha doença. Estávamos a conversar sobre o futuro, quando ela me disse, algo hesitante: “Tenho de te fazer uma pergunta, David…O que estás a fazer para tratar o teu ‘terreno’”? Ela sabia que eu não partilhava do seu entusiasmo pela medicina natural e a homeopatia. Para mim, o conceito de ‘terreno’ – de que nunca ouvira falar na Faculdade de Medicina – não se enquadrava na medicina científica. Respondi-lhe que estava a ser muito bem tratado, e que nada mais havia a fazer a não ser esperar que não houvesse uma recidiva. E mudei de assunto.
Lembro-me da alimentação que fazia na altura. Quando estava no hospital, para não perder tempo com o almoço, optava por algo que pudesse comer durante uma conferência, ou até no elevador. Quase todos os dias, almoçava chili com carne, pão branco e Coca-Cola. Em retrospectiva, esta combinação parece-me agora explosiva, ao associar farinha branca e açúcar, gorduras animais carregadas de ómega 6, hormonas e toxinas do ambiente. Nunca cheguei a mentalizar-me completamente de que, se tinha um cancro, era provavelmente porque havia algo no meu ‘terreno’ que permitira o seu desenvolvimento, e que eu precisava de cuidar de mim para reduzir o risco de uma recidiva. Até que o meu cancro voltou, exactamente no mesmo sítio.».
Do livro «Anticancro – um novo estilo de vida» - de David Servan-Schreiber.
[1] Este skylab – laboratório espacial – deu em desintegrar-se e gerou o pânico cá em baixo na terra, por se temer ser atingido pelos estilhaços em que podia transformar-se. Tudo está bem, quando acaba em bem. Final feliz. Nada de grave aconteceu. Nada de grave foi divulgado. O pânico amainou.
[2] - Este foi o único poema que escrevi dos vinte aos vinte e quatro anos , em quatro anos de tropa, no dealbar da guerra colonial em Angola, onde residia desde os dezoito anos, com os meus pais e irmãos. Tempo seco de poesia esse em que vivi de botas cardadas nos pés e de armas mortíferas nas mãos.
[3] Este poema foi escrito e publicitado, em 1973, na cidade Angra do Heroísmo onde exercia as funções de Magistrado do Ministério Público. Numa tarde de sábado, bate-me à porta da casa dos magistrados um grupo de quatro ou cinco jovens estudantes (lembro-me do Evaristo Picanço, do Paulo Araújo, do Lobão), perguntaram se podiam entrar, que me queriam mostrar uma coisa. Quando esperava receber alguma denúncia ou queixa, puxam de uma viola e começam a cantar uma música que tinham acabado de compor, com esta letra. Ri-me e agradeci a gentileza. Anos depois, soube, julgo que pelo próprio, que o Picanço a cantou com frequência, em pleno PREC, em várias campanhas e comícios da esquerda revolucionária, em muitos locais do continente, onde passara a residir, julgo que para continuar os estudos.
André Moa
5 Comentários:
Às 12 de novembro de 2010 às 22:26 , laura disse...
Ena pai, esperava tudo dos estudantes, menos que puxassem da viola e cantassem, boa, quem me dera estar lá naquele momento. São momentos que sabem tão bem.
Eu so comecei a poetar aos 55, a valer, até ali era um ou outro que acabavam no lixo... Há sempre uma hora para cada coisa.
Parabéns ao poeta sempre a querer que o Povo seja feliz e não haja fome nem dor...
Beijinho da laura
Às 13 de novembro de 2010 às 17:19 , Maria disse...
Querido André
Os poemas são geniais. O 1º é o meu preferido mas, os outros fazem pensar. Como tu jogas com as palavras! Só Alexandre O´Neel para te acompanhar nesse jogo tão díficil.
Parabéns poeta.
Beijinhos
Maria
Às 13 de novembro de 2010 às 21:22 , Kim disse...
André
Estranho mundo este, onde um homem nasce, vive e morre no meio da guerra.
Salva-se aquilo que ele foi e é, num canto de amor, num grito de poesia.
Abraço grande poeta amigo
Às 13 de novembro de 2010 às 23:53 , Andre Moa disse...
Cara Laura,
Nunca é tarde para poetar.
Continua, que estás no bom caminho.
Beijinhos.
Cara Maria,
Se a minha autoestima andasse pelas ruas da amargura, as tuas palavras teriam, como tiveram, o condão de me sentir pendurado nos ditos da lua.
Tu sabes ser amiga e estimulante, linda Maria.
Beijinhos
Amigão Kim,
A vida é assim. Tem a parte negra - a guerra é uma boa fatia dessa parte - ; mas também tem a parte luminosa da beleza, da arte, da amizade pura e cristalina como a tua.
Abreijos
André Moa
Às 15 de novembro de 2010 às 08:22 , laura disse...
Bom dia pessoal...
Pois é, a parte negra tenho para ela um bidon para o lixo nuclear, já nem sei onde a enterrei...
a alegria anda sempre colada a mim, sei que a tristeza é má, é algo difícil de tragar, mas, ponho-a noutro.. Quero viver e saborear o melhor e o melhor está incluído nessa parte que é a Amizade do meu grupo dos GT...
E como a vida é linda, apesar das dores que nos trás, já tenho o meu coração a moldar o sentimento que dentro de dias terei...numa terra de longe e com gente da minha gente.
Beijinhos da vossa nina.
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