TERRAMOTO "DE GRAU 8" - CONCLUSÃO
DE GRAU 8 COLECÇÃO GAIVOTA/35
SECRETARIA REGIONAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA
1984
XXIV
em tenda amor
querem que me estenda
numa tenda
e contigo me entenda
que me sinta em casa
contigo ao lado os filhos
só dormem se não é preciso
cai a chuva
em cheio
no colchão
corpo gelado
vem o vento
toma conta
dos lábios
da boca
dos braços
e do juízo
fogo cá dentro
amor amarrado
em mim te afago
na intimidade impossível
quanto mais juntos mais ausentes
extinção de nós
em nós
XXV
nas ruínas plantam árvores
arrancadas ao crescer[1]
os dias de Fevereiro são mais longos
quando povoados de monstros e de medos
sentinela vertical
tamanho do delírio
a sombra cresce
esperamos todo o dia o amanhecer
sem ramagem
as aves não virão
ao pé de nós pousar
no tronco nu
os ninhos
são postiços
são supostos
a noite vai chegar
a sombra vai trepar
do chão ao tecto
pelo tronco
a inchar
a inchar
a inchar
XXVI
a terra tremeu
na dúvida o sol
envergonhou-se de sorrir
e ficou cego
surdos os pássaros
vestem-se de espanto
a sensação naquele dia
caminhou no túnel do silêncio
do tempo assombrado emerge
outro dia repetido
é inútil recordar
cantos ausentes
contos antigos
o fim do túnel não é para amanhã
XXVII
a tua sinceridade comovida
leva-me ao fim do labirinto
onde pressinto imensidão nevada
no turbilhão da praça
piso ruas de silêncio
comovido
chego à conclusão desiludida
que o absurdo é não entrar
no coração das águas
só o ópio das papoilas te aproxima
deste verão sólido e verde
atracção líquida
sensação de frescura e de naufrágio
XXVIII
tem duas dimensões
a praça
um circo corporal
um gesto de asa
nudez pendente de um estribo
pureza à solta
grandeza derramada
na calçada exausta
XXIX
mar
vaga
maremoto
lava
cratera
vulcão
festa
música
hortênsia
dlim dlão
dlim dlão
dlim dlão
Pico
baleia
cansaço
Santo Cristo
no andor
sal humidade
mornaça
tristeza
desgraça
e dor
alegria
suplicada
um milagre
por favor
XXX
o amor erguemos no caminho
juncado de gritos
a poeira amamenta
esta sede superior
instante irrequieto da cidade
mutilada
fora de portas
a pureza dos campos
abre
seus braços verdes
XXXI
Recordar-te neste aperto de músculos
comovidamente contidos
para não desaguar nos outros
a trágica medida dos sentidos.
Perder-te porque a parte
mais alegre da jornada
foi contigo a sucumbir
no celeiro da ternura
dilacerada e tensa.
Da memória mais íntima se ergue
a vida que em ti foi quase
um acto definitivo e lindo.
[1] Este poema foi-me sugerido por um quadro que seria caricato, se não fosse trágico, com que deparava sempre que ia a casa das minhas queridas e saudosas amigas, as irmãs Ávila - Maria Luísa; Maria João e Maria Adelaide que jazia há muitos, muitos anos no leito, donde não podia sair, dada a sua fragilidade física, nomeadamente dos ossos que foram definhando ao longo do tempo e se iam soltando e as irmãs iam arrumando numa caixinha. Tratavam da doente com uma dedicação inexcedível, a ela devotando a sua vida. Após o terramoto, o tecto da casa que se aguentou de pé, ameaçava ruína eminente. Como elas não podiam sair de casa, a solução, enquanto o senhorio não o mandasse substituir, foi escorá-lo com troncos de árvores. Um dos troncos erguia-se, nu, mesmo aos pés da cama da Dona Maria Adelaide. Era enternecedora e cativante a forma optimista, ainda que medrosa, com que enfrentavam a situação. A Maria Luísa, a mais imaginativa e descontraída, chegou a colocar no tronco vários ademanes, entre eles um tufo de lã a fazer de ninho.
SECRETARIA REGIONAL DA EDUCAÇÃO E CULTURA
1984
XXIV
em tenda amor
querem que me estenda
numa tenda
e contigo me entenda
que me sinta em casa
contigo ao lado os filhos
só dormem se não é preciso
cai a chuva
em cheio
no colchão
corpo gelado
vem o vento
toma conta
dos lábios
da boca
dos braços
e do juízo
fogo cá dentro
amor amarrado
em mim te afago
na intimidade impossível
quanto mais juntos mais ausentes
extinção de nós
em nós
XXV
nas ruínas plantam árvores
arrancadas ao crescer[1]
os dias de Fevereiro são mais longos
quando povoados de monstros e de medos
sentinela vertical
tamanho do delírio
a sombra cresce
esperamos todo o dia o amanhecer
sem ramagem
as aves não virão
ao pé de nós pousar
no tronco nu
os ninhos
são postiços
são supostos
a noite vai chegar
a sombra vai trepar
do chão ao tecto
pelo tronco
a inchar
a inchar
a inchar
XXVI
a terra tremeu
na dúvida o sol
envergonhou-se de sorrir
e ficou cego
surdos os pássaros
vestem-se de espanto
a sensação naquele dia
caminhou no túnel do silêncio
do tempo assombrado emerge
outro dia repetido
é inútil recordar
cantos ausentes
contos antigos
o fim do túnel não é para amanhã
XXVII
a tua sinceridade comovida
leva-me ao fim do labirinto
onde pressinto imensidão nevada
no turbilhão da praça
piso ruas de silêncio
comovido
chego à conclusão desiludida
que o absurdo é não entrar
no coração das águas
só o ópio das papoilas te aproxima
deste verão sólido e verde
atracção líquida
sensação de frescura e de naufrágio
XXVIII
tem duas dimensões
a praça
um circo corporal
um gesto de asa
nudez pendente de um estribo
pureza à solta
grandeza derramada
na calçada exausta
XXIX
mar
vaga
maremoto
lava
cratera
vulcão
festa
música
hortênsia
dlim dlão
dlim dlão
dlim dlão
Pico
baleia
cansaço
Santo Cristo
no andor
sal humidade
mornaça
tristeza
desgraça
e dor
alegria
suplicada
um milagre
por favor
XXX
o amor erguemos no caminho
juncado de gritos
a poeira amamenta
esta sede superior
instante irrequieto da cidade
mutilada
fora de portas
a pureza dos campos
abre
seus braços verdes
XXXI
Recordar-te neste aperto de músculos
comovidamente contidos
para não desaguar nos outros
a trágica medida dos sentidos.
Perder-te porque a parte
mais alegre da jornada
foi contigo a sucumbir
no celeiro da ternura
dilacerada e tensa.
Da memória mais íntima se ergue
a vida que em ti foi quase
um acto definitivo e lindo.
[1] Este poema foi-me sugerido por um quadro que seria caricato, se não fosse trágico, com que deparava sempre que ia a casa das minhas queridas e saudosas amigas, as irmãs Ávila - Maria Luísa; Maria João e Maria Adelaide que jazia há muitos, muitos anos no leito, donde não podia sair, dada a sua fragilidade física, nomeadamente dos ossos que foram definhando ao longo do tempo e se iam soltando e as irmãs iam arrumando numa caixinha. Tratavam da doente com uma dedicação inexcedível, a ela devotando a sua vida. Após o terramoto, o tecto da casa que se aguentou de pé, ameaçava ruína eminente. Como elas não podiam sair de casa, a solução, enquanto o senhorio não o mandasse substituir, foi escorá-lo com troncos de árvores. Um dos troncos erguia-se, nu, mesmo aos pés da cama da Dona Maria Adelaide. Era enternecedora e cativante a forma optimista, ainda que medrosa, com que enfrentavam a situação. A Maria Luísa, a mais imaginativa e descontraída, chegou a colocar no tronco vários ademanes, entre eles um tufo de lã a fazer de ninho.
13 Comentários:
Às 20 de janeiro de 2011 às 07:15 , Osvaldo disse...
Caro irmão;
Este poema, ou conjunto de poemas, o que tem de belo tem de temeroso. É forte demais para sensibilidades frágeis, é dôce e suave para quem só tem amor e amizade para oferecer.
Quanto às irmãs Ávila, que grande lição de amor fraternal.
Confesso que adorei esse poema.
Grande abraço, irmão e sempre em frente.
Osvaldo
Às 20 de janeiro de 2011 às 09:53 , Kim disse...
Terramoto Grau 8 - Amor e raiva Grau 10!
Grande abraço Guimoa
Às 20 de janeiro de 2011 às 10:18 , Je Vois La Vie en Vert disse...
"a terra tremeu" e deixou estragos mas todos se ergueram e a vida continuou.
Nas palavras do teu lindo poema, desjeo guardar na minha memória :
"o fim do túnel não é para amanhã"
Muitos beijinhos amigos da
Verdinha
Às 20 de janeiro de 2011 às 11:05 , Bichodeconta disse...
Rendida , abraço-te..
Às 20 de janeiro de 2011 às 12:06 , Laura disse...
Ora aí está quando não podemos ter o refúgio do nosso ninho, o nosso lar, a nossa cama, mesa, os filhos nos lugares costumeiros...quando há terramotos bem diz o Kim, grau 8 mas grau 10 de raiva, só podia!
Queridas irmãs que olhavam pela outra e até elas ficaram sem tecto...
Que lembranças trazes dentro de ti tão dolorosas ó passageiro da vida!
És poeta na escrita
e da vida caminhante
escreves o que viveste
nessa vida tão errante.
Andaste por meio mundo
viveste o que a vida te deu
transformaste o mundo
num lugar que é só teu.
Tens tanto para contar
e nós tanto para ouvir
eu adoro aqui estar
para te ouvir falar.
É que as tuas palavras
deixam um rasto de ti
vemos o mundo pelos teus olhos
enquanto te ouvimos a ti.
Um beijinho da nina.
Às 20 de janeiro de 2011 às 18:48 , Maria disse...
Querido André
Não sei o que me comoveu mais, o poema ou a história. Açoreanos sensiveis, bons, unidos.
Na madrugada do sismo do Pico, o sogro da minha irmã não se levantou da cama. Tinha os olhos postos no Senhor Santo Cristo e, uma das vezes que a casa tremeu, estava eu ao pé dele, disse-me: este foi bem espertinho, menina. Mas o senhor Santo Cristo lá está para nos guardar.
Que inveja tive! Como quis acreditar! Era um Santo homem, antigo baleeiro, com uma cultura da grande universidade da vida que fazia inveja a muito doutor. Aprendi muito nas longas conversas que tinhamos.
Beijinhos às tuas açoreanas, Campeão e tu.
Maria
Às 22 de janeiro de 2011 às 15:08 , Zé do Cão disse...
Com um grande abraço, desejo boas melhoras.
Povo feliz estes açoreanos sofredores. É contraste não é?
Zé
Às 23 de janeiro de 2011 às 12:13 , Laura disse...
Hoje é Domingo
Ando em busca da janela com o nosso manjerico, parece que está emperrada e assim vai ficar por uns tempos, nada que não se resolva daqui a uns tempos também.
Beijinhos de Bom Domingo para todos os da casa.
laura
Às 23 de janeiro de 2011 às 21:47 , DAD disse...
Querido amigo,
Espero que esteja tudo a melhorar rapidamente e que possamos ter boas notícias.
Beijinhos grandes,
Às 23 de janeiro de 2011 às 21:49 , DAD disse...
E lá temos o Cavaquinho a tocar por mais uns tempos...
Às 23 de janeiro de 2011 às 23:26 , Andre Moa disse...
Caríssmas amigas, caríssimos amigos
Só para vos dizer que não há novidades nem na doença nem nos esperados tratamentos, mas que continuo, serena e confiadamente, a aguardar que isto avance para então se poder controladar e melhorar a situação. Claro que os tratamentos naturistas continuam e até se reforçaram as doses.
Obrigado a todos pelo interesse e espírito de solidariedade demonstrados.
Abreijos
André Moa
Às 24 de janeiro de 2011 às 13:28 , Laura disse...
Era isso que queria saber ó Moa, e acho óptimo que continues com os tais dos tratamentos, tudo ajuda,
Grande e apertadinho abraço da laura
Às 24 de janeiro de 2011 às 13:48 , Je Vois La Vie en Vert disse...
Notícias destas é que precisávamos : saber-te sereno e confiante.
Abreijos da
Verdinha e do Leo
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