UMA VIDA EM VERSOS COM REVERSOS
Pota Delgada
Angra do Heroísmo
Horta
Horta
P(OVO)
EDIÇÃO DO AUTOR
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO DE JOSÉ DINIS
Outubro/1979
(CONTINUAÇÃO)
QUATRO ANOS DEPOIS
quatro anos
quatro espantos
quatro encantos
outros tantos desencantos
quatro abris
quatro xis indecifrados
quatro esperanças
quatro crenças
ora perto ora remotas
quatro certezas de pedra
de sangue
de carne e força
quatro mãos dadas
vincadas
mistura inquebrantável
feita de raiva e de amor
quatro punhos de vontade
quatro passos de verdade
sonho e dor
quatro ais de liberdade
1.º DE MAIO
uma gota não enche uma taça
mas sem uma gota não se mata a sede
uma parede não faz uma casa
mas não há casa sem parede
uma batalha não é toda a guerra
mas não há vitória sem batalha
uma pedra ou duas não formam muralha
mas não há muralha sem pedra e argamassa
uma semente não inunda os campos
mas não há seara se nem um grão se espalha
uma flor não é toda a beleza
um homem só é um homem derrotado
a mais sólida e temível fortaleza
é o mundo do trabalho organizado
uma montanha não é a serra toda
mas não há serras sem montanhas
punhos erguidos simbolizam
a força toda a raiva das entranhas
um pensamento desgarrado nada tem de profundo
braços caídos não revolvem o mundo
o 1.º de Maio não é a vitória derradeira
mas é uma esperança uma luta uma bandeira
uma festa uma alegria uma pausa
um redobrar de forças para a nossa causa
INTERREGNO
já ninguém gosta de cravos senão tu e eu?
já não é possível o amor para lá do de Morfeu?
laranja metálica - a espingarda - tem de ser fatal?
é proibido ser vaso de cravo - penso povo - em Portugal?
este país existe – projecto e acto -
ou não passa de espalhafato?
o poder da burguesia é fogo-de-vista ou poder de facto?
o poder do povo é real ou fogo-fátuo?
a estrela cujo brilho provém do fulgir humano
anda à trela?
perde o brilho?
treme ante o tirano?
RESISTÊNCIA
bombas de Ponta Delgada
altivez heróica de Angra
a Horta resiste e sangra
e lança a canalha à água[1]
LENGALENGA
é o pato
é a pata
é o gato
é a gata
é o rato
é a rata
é a pá
é a terra
é a água
é a erva
é a égua
é a guerra
é a trégua
é o sino
o canhão
o menino
é o pão
é o berço
o caixão
é a cova
o colchão
é o ovo
é a ova
é a lua
é a rua
é a grua
é o povo
que sua
BOLETIM DE SAÚDE
Fui ao Hospital, logo pela manhã, em jejum, como se impunha, a fim de fazer as três TACs – torácica, abdominal e pélvica. Por lá me mantive até cerca das treze horas. Resultados só no dia 29, data em que levantarei o relatório e irei mostrá-lo, tal como as análises que irei fazer três dias antes, ao médico oncologista para que, então, proclame o seu veredicto.
Como, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, coração ao largo. Por essas e por outras, mais por outras que por essas, integrado no GT – Grupo Tabuaço – vou passar o próximo fim-de-semana no meu concelho de origem, o mesmo será dizer lás vamos nós calcorrear por terras do Demo e de Baco. No ano passado dedicámo-nos especialmente à parte xistosa, ao norte e leste do município, aos socalcos do Douro Vinhateiro. Desta vez, apontaremos sobretudo para Oeste e Sul, a parte serrana e beirã do concelho. Mas é impensável percorrermos os caminhos de Tabuaço, sem ora nos embrenharmos nos penhascos graníticos, ora mergulharmos a vista nas águas do rio Douro, tal a simbiose e amálgama destas duas faces que se cruzam e entrecruzam amiúde. Na maioria dos percursos, bem poderá dizer-se que se anda com um pé, ou duas rodas na Beira granítica e com o outro pé ou as outras duas rodas da viatura no xistoso Douro.
André Moa
[1] Breve apontamento poético este sobre o aparecimento e a forma como a FLA surgiu e agiu e como reagiu o povo contra ela. Movimento engendrado pela alta burguesia micaelense chegou a atemorizar os democratas, nomeadamente de Ponta Delgada, pagando a uns desgraçados para espalharem o terror, tendo feito rebentar bombas e petardos e carros e garagens de pessoas com prestígio social e político na cidade. Em Angra do Heroísmo o movimento não foi além de arruaças perpetradas por energúmenos ligados à lavoura que, manipulados por meia dúzia de terra tenente e, segundo correu na altura, sob o efeito do álcool, assaltaram algumas sedes de partidos políticos e o jornal «o trabalhador» dirigido e elaborado por alguns padres jovens e outros católicos progressistas. Na Horta, cidade da ilha do Faial, onde a tolerância sempre foi grande e o poder da burguesia muito diminuto, quando os cabecilhas da FLA, idos de São Miguel, quiseram espalhar a sua má nova, foram estancados, encurralados e lançados ao mar. Meteram o rabinho entre as pernas, regressaram ao seu «quartel-general» e não mais tentaram perturbar a paz e a tranquilidade da pachorrenta gente do Faial.
P(OVO)
EDIÇÃO DO AUTOR
COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO DE JOSÉ DINIS
Outubro/1979
(CONTINUAÇÃO)
QUATRO ANOS DEPOIS
quatro anos
quatro espantos
quatro encantos
outros tantos desencantos
quatro abris
quatro xis indecifrados
quatro esperanças
quatro crenças
ora perto ora remotas
quatro certezas de pedra
de sangue
de carne e força
quatro mãos dadas
vincadas
mistura inquebrantável
feita de raiva e de amor
quatro punhos de vontade
quatro passos de verdade
sonho e dor
quatro ais de liberdade
1.º DE MAIO
uma gota não enche uma taça
mas sem uma gota não se mata a sede
uma parede não faz uma casa
mas não há casa sem parede
uma batalha não é toda a guerra
mas não há vitória sem batalha
uma pedra ou duas não formam muralha
mas não há muralha sem pedra e argamassa
uma semente não inunda os campos
mas não há seara se nem um grão se espalha
uma flor não é toda a beleza
um homem só é um homem derrotado
a mais sólida e temível fortaleza
é o mundo do trabalho organizado
uma montanha não é a serra toda
mas não há serras sem montanhas
punhos erguidos simbolizam
a força toda a raiva das entranhas
um pensamento desgarrado nada tem de profundo
braços caídos não revolvem o mundo
o 1.º de Maio não é a vitória derradeira
mas é uma esperança uma luta uma bandeira
uma festa uma alegria uma pausa
um redobrar de forças para a nossa causa
INTERREGNO
já ninguém gosta de cravos senão tu e eu?
já não é possível o amor para lá do de Morfeu?
laranja metálica - a espingarda - tem de ser fatal?
é proibido ser vaso de cravo - penso povo - em Portugal?
este país existe – projecto e acto -
ou não passa de espalhafato?
o poder da burguesia é fogo-de-vista ou poder de facto?
o poder do povo é real ou fogo-fátuo?
a estrela cujo brilho provém do fulgir humano
anda à trela?
perde o brilho?
treme ante o tirano?
RESISTÊNCIA
bombas de Ponta Delgada
altivez heróica de Angra
a Horta resiste e sangra
e lança a canalha à água[1]
LENGALENGA
é o pato
é a pata
é o gato
é a gata
é o rato
é a rata
é a pá
é a terra
é a água
é a erva
é a égua
é a guerra
é a trégua
é o sino
o canhão
o menino
é o pão
é o berço
o caixão
é a cova
o colchão
é o ovo
é a ova
é a lua
é a rua
é a grua
é o povo
que sua
BOLETIM DE SAÚDE
Fui ao Hospital, logo pela manhã, em jejum, como se impunha, a fim de fazer as três TACs – torácica, abdominal e pélvica. Por lá me mantive até cerca das treze horas. Resultados só no dia 29, data em que levantarei o relatório e irei mostrá-lo, tal como as análises que irei fazer três dias antes, ao médico oncologista para que, então, proclame o seu veredicto.
Como, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, coração ao largo. Por essas e por outras, mais por outras que por essas, integrado no GT – Grupo Tabuaço – vou passar o próximo fim-de-semana no meu concelho de origem, o mesmo será dizer lás vamos nós calcorrear por terras do Demo e de Baco. No ano passado dedicámo-nos especialmente à parte xistosa, ao norte e leste do município, aos socalcos do Douro Vinhateiro. Desta vez, apontaremos sobretudo para Oeste e Sul, a parte serrana e beirã do concelho. Mas é impensável percorrermos os caminhos de Tabuaço, sem ora nos embrenharmos nos penhascos graníticos, ora mergulharmos a vista nas águas do rio Douro, tal a simbiose e amálgama destas duas faces que se cruzam e entrecruzam amiúde. Na maioria dos percursos, bem poderá dizer-se que se anda com um pé, ou duas rodas na Beira granítica e com o outro pé ou as outras duas rodas da viatura no xistoso Douro.
André Moa
[1] Breve apontamento poético este sobre o aparecimento e a forma como a FLA surgiu e agiu e como reagiu o povo contra ela. Movimento engendrado pela alta burguesia micaelense chegou a atemorizar os democratas, nomeadamente de Ponta Delgada, pagando a uns desgraçados para espalharem o terror, tendo feito rebentar bombas e petardos e carros e garagens de pessoas com prestígio social e político na cidade. Em Angra do Heroísmo o movimento não foi além de arruaças perpetradas por energúmenos ligados à lavoura que, manipulados por meia dúzia de terra tenente e, segundo correu na altura, sob o efeito do álcool, assaltaram algumas sedes de partidos políticos e o jornal «o trabalhador» dirigido e elaborado por alguns padres jovens e outros católicos progressistas. Na Horta, cidade da ilha do Faial, onde a tolerância sempre foi grande e o poder da burguesia muito diminuto, quando os cabecilhas da FLA, idos de São Miguel, quiseram espalhar a sua má nova, foram estancados, encurralados e lançados ao mar. Meteram o rabinho entre as pernas, regressaram ao seu «quartel-general» e não mais tentaram perturbar a paz e a tranquilidade da pachorrenta gente do Faial.
9 Comentários:
Às 16 de setembro de 2010 às 21:36 , Laura disse...
Querido Moa, talvez nem saiba o que dizer...mas que entendi, que sei que querias o Povo como deve ser, um povo sem medo, com lei, com grei... tudo bem feito, tudo como deve ser.. Ainda não é tarde para sonharmos, vai demorar, sabemos isso, mas um dia, um dia poderemos ver o nosso POVO a viver em harmonia, e com trabalho para todos, pão à fartura, e não haverá medo porque o homem deixará de querer dominar o seu irmão, quando aprender apenas a amar!...
Sou repetitiva, mas é o que quero dizer quando te leio ..
Gostei dos últimos versos, soam bem e são despachados...engraçados..
beijinho e até amanhã... na hora combinada no lugar acertado, ah, que grande abraço vais levar..prepara-te.. laura
Às 17 de setembro de 2010 às 15:48 , Kim disse...
Muito bem.
Hoje temos aqui tema para ler no fim de semana.
Vamos à ode! E ao xisto!
Abreijos
Às 17 de setembro de 2010 às 23:37 , Bichodeconta disse...
Pois, de facto resta-me desejar bom final de semana ao GT .Abreijos
Às 20 de setembro de 2010 às 09:40 , Je Vois La Vie en Vert disse...
Caro amigo Moa,
"um homem só é um homem derrotado"
Como não estás só, estás a colocar montes de pontos de interrogação nas testas dos médicos que estão neste momento a analisar os exames que fizeste. O Moa doente ? não vi nada neste fim de semana de amizade e fiquei encantada em ver que as endorfinas do que falo no blog do nosso amigo Kim estão bem activas em ti.
Muitos beijinhos verdinhos -apesar da derrota- de moi pour Toa, isto é Moa.....
Verdinha
Às 20 de setembro de 2010 às 17:46 , Bichodeconta disse...
Moa amigo, que é feito de vós que me fgiram e ainda não deram noticias..Passo para ver se já há noticias de exames .Mas a maoir certeza é a de que haja o que hover nada te afastará de nós, nada fará desvanecer esta amizade.Beijinhos e o desejo de que tudo esteja bem..
Abreijos, bichodeconta
Às 20 de setembro de 2010 às 20:14 , Andre Moa disse...
Acabo de chegar a casa. Cansado, mas satisfeito. E com a certeza reforçada de que de facto não sou um homem só, logo,não sou um homem derrotado. E venham endorfinas para os nossos corpos, aos copos.
Abreijos
André Moa
Às 21 de setembro de 2010 às 09:53 , Maria disse...
Querido André
Quanto aos versos, lindos e verdadeiros, como sempre.
Voltei a faltar. Estou fraca, doente e não tenho a tua força que tanto admiro.
Vamos esperar que as notícias do médico sejam animadoras e que, mais uma vez, leves a melhor com o bicharoco. Contigo ele não tem sorte.
Aquela trapalhada das FLA, apanhou pela frente um povo bom e ordeiro. Teria dado mau resultado.
Beijinhos para ti e os teus
Maria
Às 21 de setembro de 2010 às 18:17 , Andre Moa disse...
Querida Maria,
Eu bem puxo pela carroça, mas, se calhar, as forças já vão sendo poucas para transportar, nesta carcaça de velho, o teu corpo dorido de menina e moça. Mas se puxarmos ambos para o mesmo lado, quem sabe! A união faz a força e vontades juntas, milagres. Vamos a isso, querida amiga, que a vida a rir e com saúde é uma perpétua cantiga.
Beijinhos
André Moa
Às 22 de setembro de 2010 às 17:15 , Laura disse...
Ai é? e então eu a subir o Moinho das Poldras, quem me empurrou por ali acima? ah... ainda deu para isso.
Força aos dois e haja vontade de tudo vencer, não chega mas ajuda..Um xi..laura
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