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quinta-feira, 1 de julho de 2010

CICLO PAIXÃO






DESTINO DE MERDA

O gabinete do Chefe é espaçoso. Uma larga janela oferece uma visão panorâmica sobre a plataforma principal da estação ferroviária. O movimento de comboios e passageiros é intenso. Neste centro ferroviário importante, todas as horas são horas de ponta.
De pé, mãos atrás das costas, dificilmente escondo o nervosismo e o medo. Aguardo ser recebido pelo Chefe. Dois dias antes, sem surpresa, recebi a notificação. O Almeida, carteiro da minha zona e com o decorrer do tempo um amigo, com olhos compungidos e tristes, entrega-me a notificação e solicita a minha rubrica no livro de registos.
- Então vai viajar, meu amigo? Pergunta-me.
- Não sei. - Respondo-lhe com um breve encolher de ombros a fingir despreocupação. - As pessoas chegam e partem. Tudo se move, meu caro Almeida!
- Mas para onde? - interroga o meu amigo carteiro.
- Ninguém sabe - concluo filosoficamente.
Sou interrompido nos meus pensamentos pela porta a abrir-se violentamente. Alto e gordo, o Chefe aconchega o seu avantajado traseiro na cadeira giratória que parece pequena. Sem olhar para mim, folheia distraidamente o meu processo. Um grosso volume de centenas de páginas. De súbito, pousa os óculos e ordena-me:
- Senta-te! Não suporto pessoas de pé.
- Compreendo - digo com voz trémula ao mesmo tempo que me sento precipitadamente.
- Estive a estudar o teu processo - continua o Chefe - e não cheguei a conclusão nenhuma. À primeira vista pareces um tipo normal. Não cometeste crimes graves. O teu percurso de vida é imperceptível. Não chegaste a vincar na areia do caminho os teus próprios passos. És um incógnito e anónimo. A tua vulgaridade de tão vulgar chega a ser suspeita. Não concordas por natureza e gostas de protestar. Dizes que não acreditas em Deus. Afinal, o que tem valor para ti? – Pergunta, irascível.
- Não sei, Chefe - consigo responder após um esforço mental infrutífero.
- Porque te esforçaste por caminhar tanto sem objectivos e motivações, já que não acreditas em nada? - pergunta-me curioso.
- Não é verdade, Chefe! Acredito em Deus. No meu Deus. Um tipo como eu, mas perfeito. Não me promete nada mas responsabiliza-me pelos meus actos. O meu Deus é a minha consciência - consigo articular com esforço.
- Já sei - diz o Chefe, enfastiado. - És um individualista! - E ri-se. - Pois bem, meu caro, chegou a hora de partires. Dou um prazo para te preparares para a viagem. E tens sorte porque muitos fazem a última viagem sem preparação. Que tens a dizer? - Exclama todo satisfeito.
- Protesto - grito energicamente.
- À tua vontade. Mas não muito alto porque o tom de voz elevado perturba-me. E curioso acrescenta:
- Mas protestas, porquê? Caminhaste na estrada da vida e agora tens de pagar a factura por teres vivido.
- Mas é injusto – asseguro, cheio de razão. - Para viver ninguém me consultou. Preferia não ter vivido. Porquê pagar a factura por ter vivido, quando o fiz contrariado, contra a minha vontade?
Folheando a primeira página do processo, o Chefe acena afirmativamente e diz:
- Na realidade, o teu protesto foi veemente no acto do teu nascimento. Ao que consta dos registos, não cessaste de berrar durante 17 minutos, o que não é normal.
- Está a ver Chefe, como tenho razão?! Vamos negociar o valor da factura - proponho como último argumento. Divertido, o Chefe põe os óculos e observa-me curioso, mas sem deixar de advertir.
- Será que não te apercebes que não estás em condições de negociar?!
Mas como jogador do tudo ou nada, lanço na mesa todos os trunfos.
- E se antecipar a viagem, se me apresentar como voluntário, não tenho direito a um bónus ou desconto?
Surpreendido, o Chefe fecha o processo e, zombeteiro, entrega-me a factura. Ao analisar o documento, constato que o valor da factura é elevado. Mas como nunca me preocupei com dinheiro, para quê preocupar-me agora?!
- Tenho apenas um reparo a fazer, Chefe. Não vou regatear o preço nem o pagamento do I.R.S., I.V.A., contribuição autárquica, etc. São impostos que já estou habituado a pagar. Mas discordo da taxa da dor. Parece-me inadequada. - A taxa da dor é obrigatória - resmunga o Chefe. E divertidíssimo acrescenta: - Querias fazer a última viagem a rir como quem vai de férias?!
Já desesperado e como último recurso, apresento a minha última proposta:
- E se pagar três vezes o valor da factura a troco duma redução significativa da taxa da dor?
- Espera aí! Deixa-me pensar - diz o Chefe, perplexo e algo confuso. - Então propões pagar três vezes o valor da factura a troco da redução da taxa da dor para o mínimo possível?! Atendendo à crise, a proposta é interessante. Está bem, aceito. - E acrescenta, eufórico:
- Dá cá o cheque e em troca pega lá o bilhete. Parte em grande velocidade e quanto antes, não vás perder o comboio. Mas antes, responde-me a uma última pergunta. Sabes que vais fazer a última viagem e não tens curiosidade em saber qual o destino?!
- Eu não! - Respondo apressado.
- E porquê?! - interpela o Chefe cheio de curiosidade.
- Porque qualquer destino é bom. Como estou atolado até ao pescoço na merda deste mundo, qualquer outro é melhor, mesmo que seja também um mundo de merda. Assim, sempre se muda de mundo e de merda.
Paixão Lima

12 Comentários:

  • Às 1 de julho de 2010 às 19:46 , Blogger Andre Moa disse...

    Prefiro a merda do mundo
    Mesmo com taxa de dor
    Do que o sono profundo
    Seja em que mausoléu for.
    André Moa

     
  • Às 1 de julho de 2010 às 23:13 , Anonymous DAD disse...

    E eu também!
    Gostei do texto, Paixão!

    Beijinhos grandes a todos,

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 01:23 , Blogger Paixão Lima disse...

    Irmão Moa,
    Compreendo-te perfeitamente. Merda por merda, preferes a merda que já conheces. Eis porque o homem é um animal de hábitos, e estes constituem uma segunda natureza.
    Um grande abraço.

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 01:41 , Blogger Paixão Lima disse...

    Amiga DAD,
    No mundo em que vivemos, tão soturno e melancólico, a única maneira de levar a vida a sério é levar a vida a rir. Com um beijo de muito apreço, desejo-lhe uma noite descansada.

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 11:15 , Anonymous Anónimo disse...

    Ahh Paixão, falta o IVA!
    Minha nossa, quanta imaginação brota dessa mente... Como se Deus precisasse de nos interpelar! e nos desse à escolha, ah meu Paixão meu querido paixão!...
    Estou morta para estar na quinta do Joaquim Arranca para vos fazer frente aos três...e dessa vez serão mais a esgrimir a palavra...
    Pobre do homem que pensa que não necessita de Deus, mas já estavas a ver se ele afastava a dor! querias negociar? com Ele não se negoceia, é com a nossa própria consciência!

    Além disso nem te podes queixar muito, penso eu...há gente que sofre mesmo e sabe o que é a verdadeira dor!

    Aquele abraço e está quase a chegar Tabuaço. Laura a miúda das estradas monárquicas de Tabuaço..e tu com medo que eu não soubesse conduzir por ali!pelos vistos fiquei aprovada..

    vou ter de ficar anónima parece mas assino..laura

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 11:49 , Blogger Paixão Lima disse...

    À minha querida anónima chamada Laurita,
    Não podemos corromper o chefe das nossas vidas ?! Infelizmente, não podemos. Se pudéssemos comprar a morte, os ricos nunca morreriam. Tal como tu, estou com saudades da quinta do Arranca. Que bem que o Quim cozinha e que bom vinho serve. Temos de lá voltar outra vez, em breve, para matar saudades.
    Um beijinho e um abraço apertadinhos.

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 17:57 , Anonymous Anónimo disse...

    Moço, fiquei anónima pois o meu pc se abro o gmail bota o blogue abaixo e para não andar ao sobe e desce, fiz assim, anónima de nome assinado...
    Pois não mas muitos ricos (com dinheiros à custa do sofrimento de terceiros, deixaram fortunas à Santa Madre Igreja para lhes rezar plas almas, acredita que gostava de ver como decorreu a operação..como se os céus ouvissem isso...ganda peta que eles enfiavam na mona...
    fazes bem? mas que bom ainda recebes mais, fazes mal, olarilólé, pagas e não bufas sequer...outros deixavam kilos de jóias, ah, para lhes rezarem plas almas... até devia parecer os saldos dos santinhos de barro...

    joaquim Arranca, gostei dele, franco, aberto, bom cozinheiro, mas que bem nos recebeu, até parecíamos pessoas importantes...e para a próxima não temos de ir para a quinta da getta de noite...e ficamos lá até ao fim..tive pena de vos deixar a sós sem a nossa presença que diga-se animou a festa...
    Um jinho da laura vai anónimo pelo perfil senão vai tudo abaixo..LAURA a NINa das resteas

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 19:36 , Blogger Paixão Lima disse...

    Laurita,
    Como é óbvio, a narrativa do chefe é uma historieta de ficção que tem por objectivo promover a boa disposição. Na impossibilidade de levarem as fortunas adquiridas, tantas vezes por métodos ilegítimos, os ricos que referes, que deixaram as suas fortunas à Santa Madre Igreja quando morreram, pretenderam comprar um lugar no Paraíso. Tal como tu, também gostaria de saber o resultado da transacção proposta.
    Um beijo.

     
  • Às 2 de julho de 2010 às 23:59 , Blogger Je Vois La Vie en Vert disse...

    caros Paixão e Moa,

    passei só para deixar um beijinho porque tenho estado bem (demasiado) ocupada e deparo com esta palavra que acho tão feia...A Laurinha dir-vos-á que , sem ser uma tia de Cascais, não aprecio muito esta linguagem nem o objecto em si....;)
    Por isso, ficarei por aqui despedindo-me com um beijinho bem cheiroso...
    Verdinha

     
  • Às 3 de julho de 2010 às 02:04 , Blogger Maria Soledade disse...

    Amigo Paixão,onde vai buscar tanta imaginação?!

    "Atendendo à crise, a proposta é interessante. Está bem, aceito. - E acrescenta, eufórico:
    - Dá cá o cheque e em troca pega lá o bilhete"

    Afinal o Chefe deixou-se corromper!!Huuummm, cá p'ra mim volta e meia passeia cá por baixo :)

    Bem, eu não tenho muita pressa dessa viagem, ou melhor,nenhuma, e se pudesse negociar a dor,acredite que o faria,pois entendo que essa "viagem" podia fazer-se...sem companhia!!

    Esperemos que demore, e até lá, mais vale viver neste mundo, mesmo a cheirar mal...

    Gostei do texto.Mal de nós se não brincassemos com tudo o que faz parte da vida...

    Beijinhos com Amizade

     
  • Às 3 de julho de 2010 às 03:08 , Blogger Paixão Lima disse...

    Amiga Verdinha,
    Não gosta da palavra que é feia e da substância correspondente à palavra porque cheira mal. Gostos não se discutem, respeitam-se. Mas se queremos viver plenamente, não podemos evitar viver com o feio e com o que cheira mal, porque tudo, o que nos agrada e o que nos desagrada, faz parte da vida que pretendemos viver. Faço esta afirmação, na certeza de que, quando morrermos, não vamos cheirar a água de colónia.
    Um beijinho (também bem cheiroso).

     
  • Às 3 de julho de 2010 às 11:57 , Blogger Paixão Lima disse...

    Amiga Soledade,
    Como vê, minha simpática Amiga, a corrupção existe a todos os níveis. Principalmente nos níveis superiores, os chamados executivos: os chefes, directores, administradores, políticos, etc. A lista dos corruptos não tem fim. A última viagem é feita em solitário. Cada um de nós tem a sua viagem só para si. Sem a companhia da dor, seria uma viagem perfeita se for tarde e com o prazo de validade já esgotado. «Gostei do texto. Mal de nós se não brincássemos com tudo o que faz parte da vida». Entendeu a letra e o espírito da narrativa. Pensa como eu. Será por sermos vizinhos ?!
    Recebi o seu beijinho e a amizade. Retribuo, com amizade, o seu beijinho. Os beijos das Senhoras Amigas são gostosos e sabem bem. Obrigado pelo comentário.

     

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