(O TEXTO É COMPRIDO PARA POST, MAS ATENDENDO AOS APLAUSOS E ELOGIOS RECEBIDOS, PARTO DO PRINCÍPIO DE QUE VALE A PENA LÊ-LO)

MAU TEMPO NO ANAL – DIÁRIO DE UM PACIENTE
Excelentes e queridíssimas amigas,
Excelentes e queridos amigos,
Excelentes inimigos,
EXCELÊNCIAS:
Partindo da premissa de que a minha presença aqui se justifica mais pela escrita do que pela fala, em vez de preparar e decorar meticulosamente um improviso para este acto solene, resolvi escrever o que agora vos leio.
Esta resolução levar-me-á, espero, a ser mais breve e a não perder tão facilmente o rumo, por falta de água ao leme. Que meta água sim, mas que ao menos o leme se mantenha firme e activo.
De imediato, e antes que a língua se me entaramele, a voz se me embargue, a emoção me traia, a comoção não me deixe articular palavra, expresso o meu profundo reconhecimento a todos quantos contribuiram para que tenha chegado a este areópago, exposto nesta custódia em forma de livro onde restarei para todo o sempre, em corpo, alma e divindade.
Formulado que fica o meu reconhecimento plural e abstracto a todos os presentes e ausentes, o primeiro reconhecimento singular e concreto vai para a nossa anfitriã – a Ordem dos Médicos – realçando a sua disponibilidade em franquear-nos as portas, tão predisposta ela está a acolher eventos relativos quer à saúde quer à cultura.
MAU TEMPO NO ANAL – DIÁRIO DE UM PACIENTE ficará, indelével e simultaneamente ligado à saúde e à arte, por isso, considerámos ser este o lugar ideal para anunciarmos urbi et orbi o nascimento deste livro (deste filho) que, proveniente de um parto com dor, cedo se transformou num acto colectivo de amor. O meu sentido reconhecimento a todos os membros dirigentes desta prestimosa instituição que generosamente nos acolhe, extensivo ao Doutor Germano de Sousa, ex-bastonário da Ordem dos Médicos (que tão gentil e abnegadamente se prestou a ser o porta-voz deste desejo do autor, logo secundado pela editora, a Quidnovi) e ao professor universitário Onésimo Teotónio Almeida – o impulsionador mor disto tudo.
Hoje sinto-me como que levado em triunfal procissão pelas ruas da cidade, depois de ter andado pelas ruas da amargura.
Toda esta apoteose resulta do facto de me ter ocorrido verter para o computador, dizem que com alguma graça, toda a desgraça que sobre mim desabava e enquanto desabava; todo o amor por que suspirava; todo o humor que ia inventando para melhor me livrar da hecatombe, isto é, do sacrifício de cem bois em ritual da Grécia antiga, como consta do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea; toda a dor sentida, toda a dor ‘fingida’ (fingida à Fernando Pessoa, ou seja, duplamente sentida); os meus desesperos; as minhas dúvidas; as minhas esperanças.
Será caso para proclamar: santas dores, abençoada doença, que tantas manifestações de apreço e carinho me têm proporcionado.
Costuma dizer-se de um sofredor com cara por onde visivelmente a dor anda a lavrar fundo e feio: «parece um Cristo».
Segundo rezam as crónicas, o sofrimento de Cristo terá durado umas escassas horas, um dia, vá lá. O meu dura… dura… e perdura.
O verdadeiro Cristo terá morrido convencido de que iria ressuscitar ao terceiro dia. Eu não creio em ressurreições post mortem.
Não obstante (e aqui fica o solene aviso) se um dia morrer e me vier a acontecer ressuscitar, não direi que não. Ficarei mesmo muito grato ao autor ou autores de tal façanha.
Tal é o meu apego à vida, ainda que sofrida, ainda que dorida!
Talvez por isso mesmo, por ser sofrida é que eu amo desaustinadamente a Vida e me sinto reconhecido pelas bênçãos que, no meio de tantos escolhos e padecimentos, sobre mim tem derramado, a última das quais, permitam que a saliente, tem três anos, dá pelo nome de Luís Tiago, e me tem transmitido Vida...Vida…Vida…
Bem-hajas, meu querido neto.
Tudo leva a supor que Cristo terá morrido cheio de saúde. Teve o seu calvário, sim, mas nem um extra, se não levarmos em conta o sangue que terá suado no horto, pouco antes de ser preso.
Por mim, tive tantos e tais que fiquei conhecido entre os médicos e enfermeiros do Hospital da Força Aérea como o homem dos extras.
Os colaterais afligiram-me mais do que os ciúmes de uma próstata inflamada, do que o cancro no recto e, mais recentemente, do que o cancro nos pulmões. Os colaterais foram tantos e tais que não me deixaram pôr pé em ramo verde.
Apesar de tudo, sinto que tive algumas e saborosas vantagens sobre Cristo.
Porque tive não apenas uma mas muitas Verónicas a enxugar-me o rosto e muitos e bons Cireneus que não só me aligeiraram a carga das várias cruzes que sobre mim tombaram, como evitaram a minha crucifixão e morte. E com que denodo, com que saber, com que competência, com que devoção, com que abnegação, com que generosidade!
De todos os meus Cireneus (não falo dos familiares nem dos amigos próximos que, mais que Cireneus, foram outros tantos Cristos, comigo, em mim e por mim) apraz-me salientar neste acto de glorificação, neste hossana colectivo à Vida, os três médicos que não só me restabeleceram a saúde, como me agraciaram com o seu insuperável humanismo e me presentearam, sinto-o bem, com a sua amizade, como a sua presença e as amáveis palavras que o doutor Carlos Balhana acaba de proferir bem atestam.
Para esses taumaturgos que ressuscitaram este pobre Lázaro, o meu profundo e perene reconhecimento. Para vós todo o meu preito, cara doutora Maria de Jesus Salazar, caro Doutor Carlos Balhana, caro doutor Manuel Domingos.
Não vou falar mais de vias-sacras nem de calvários.
Prefiro retomar esta triunfal procissão que tanto me engrandece e lisonjeia.
Cá vou eu exposto nesta custódia (neste livro) congeminada e sustentada pela mente sábia e o coração generoso do professor, escritor e amigo Onésimo Teotónio Almeida que por sorte, ele que lecciona na Universidade da Brown, Providence, Massachusetts, U.S.A. (usa, mas não abusa), temos hoje entre nós, para nos honrar com a sua amistosa presença e nos brindar com a magistral lição de sapiência que acabámos de ouvir, toda ela salpicada de irradiante amizade e contagiante boa disposição, como é seu timbre.
Este livro contém o que porventura será inédito: três belos prefácios de três grandes senhores.
Só para dar a conhecer e a todos oferecer a oportunidade de saborear estes três textos já teria valido a pena publicar e divulgar este livro.
O primeiro texto em jeito de prefácio é do Onésimo Teotónio Almeida a que chamou: «Cac(a)fonia em dói menor». Um achado, este título. O texto é um verdadeiro tratado de sapiência, uma análise profunda, repleta de humor e cheia de graça.
O segundo texto em jeito de prefácio devo-o ao professor Olegário de Sousa Paz que também faz o favor de ser meu amigo.
Olegário Paz chamou-lhe, com demasiada humildade, «Notas de Leitura», mas como irão verificar ao lê-lo, é muito, mas muito mais do que isso: um verdadeiro tratado de saber literário, de análise de texto e, simultaneamente, de amizade.
O terceiro texto é do meu querido, santo e dedicado irmão, António Joaquim Macedo Fernandes que, ao ler o meu Diário, resolveu escrever-me uma carta de amor fraternal.
Aos três prefaciadores, o meu sentido abraço.
A experiência no-lo diz que não há festa, procissão, livro algum, sem uma dedicada e organizada confraria, sem uma boa e empenhada mordomia, sem uma boa editora, predisposta a unir e conjugar esforços e boas vontades, saberes e sabores, a assumir os riscos inerentes a projectos deste quilate.
Sinto-me um privilegiado por ter sido acolhido, acarinhado e editado por tão competente, tão profissional, tão prestigiada editora como é a QUIDNOVI que, a meus olhos, tem dois rostos e uma equipa técnica: os rostos da Doutora Maria do Rosário Pedreira e da doutora Ana Pereirinha e uma equipa técnica cujos elementos não conheço mas de quem conheço e reconhecidamente exalto o seu óptimo trabalho bem patente na capa, como em toda a textura do livro.
A doutora Maria do Rosário Pedreira e a doutora Ana Pereirinha acolheram-me de uma forma ao mesmo tempo muito profissional e excepcionalmente simpática. Ensinaram-me, corrigiram-me, trataram de tudo com competência, profissionalismo, devoção e empenho inexcedíveis. Bem-hajam, caríssimas amigas, se me permitis extravasar desta forma o meu sentimento por vós. E parabéns pelo vosso excelente trabalho.
Editorialmente, este livro, está, de facto, uma perfeição. Uma autêntica obra de arte gráfica.
Os prefácios falam por si. São excelentes.
Do meu texto também direi que é excelente. Modéstia à parte, ouso afirmar isto, alto e bom som, por me sentir bem escudado atrás de duas fortíssimas e inultrapassáveis razões.
Primeira razão: sou modesto, mas não sou parvo.
Segunda razão (e esta é de peso): se pessoas honestas, com o gabarito e a craveira de um professor Onésimo, de um professor Olegário, de um senhor irmão, de uma senhora doutora Maria do Rosário Pedreira, de um senhor doutor Carlos Balhana, sim, se todas estas sumidades disseram o que disseram, escreveram o que escreveram; se não pouparam encómios nem regatearam elogios; se, em uníssono, tanto enalteceram obra e autor, quem sou eu, pobre poeta, paciente diarista diariamente paciente, sim, quem sou eu para os contradizer? Nessa não caio. E não caio, porque não quero, não posso e não devo, sob pena de cometer uma injusta e imperdoável falta de respeito, de consideração e de gratidão.
Prefiro, pois, fazer minhas as suas sábias e sentidas palavras e com eles proclamar em coro que MAU TEMPO NO ANAL – DIÁRIO DE UM PACIENTE é uma senhora obra, uma obra merecedora de ser lida, mastigada, reflectida, divulgada.
Para rematar, acrescentarei que MAU TEMPO NO ANAL – DIÁRIO DE UM PACIENTE foi escrito com muita dor, com muito amor e com uma boa dose de humor, concedo.
Escrever este livro foi para mim um eficaz placebo. Fez-me bem, ajudou-me muito a criar a necessária distância entre mim e mim, para melhor poder objectivar e desse modo superar a dor, o sofrimento, a preocupação, a ansiedade, a dúvida, o temor para não dizer o cagaço, sim, o cagaço que as doenças, nomeadamente as doenças do foro oncológico, habitualmente sugerem.
Publicá-lo, tomei-o eu como imperativo de consciência, na expectativa de com ele poder vir a ajudar alguém, muitos alguéns, se possível todos quantos estejam a sofrer e a carecer de uma palavra amiga, optimista, estimulante, uma palavra de conforto e de esperança.
Esta foi a intenção. Façam-na vossa, para que o desígnio deste livro se cumpra. Com a certeza de que, desse modo, cada um a seu modo, estará a exaltar a Vida.
A Vida implica, naturalmente, sofrimento e dor.
Que bom se todos a pudermos e soubermos fruir com optimismo, esperança, amor e humor! Sim, humor – essa firme ponte entre a dor e o amor, esse suavíssimo bálsamo da dor, esse poderoso tónico do amor.
Aqui chegado, resta-me pedir-vos desculpa pelo atrevimento e pelo tempo dispendido.
Bem hajam.
Lisboa, 24 de Junho de 2009
André Moa