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DIÁRIO DE UM PACIENTE II

sábado, 28 de novembro de 2009

AOS SETENTA só SESSENTA DE POESIA 2




AOS SETENTA SÓ SESSENTA DE POESIA (CONTINUAÇÃO)












Claro que, a fazer finca-pé na memória de minha mãe, que só da sua memória me vêm tais ecos, ainda poderia recuar um pouco mais no tempo para perscrutar as primeiras manifestações ‘poéticas’ cá do artista, então artista de palmo e meio. Teria eu dois, três anos (disto não guardo a mais ténue reminiscência, falo, pois, exclusivamente baseado nos relatos maternais, confirmados por pai, madrinha, avô, tios, vizinhos, tudo gente mais velha e de respeito) e já era o animador mor nas noites cálidas de Verão do ajuntamento na rua dos vizinhos a pedir à noite uma suave brisa que servisse de refrigério àqueles corpos ressequidos pela canícula impiedosa de doze e mais horas à torreira do sol, cantando, para gáudio e agrado de todos, as canções do São João que facilmente aprendia e trauteava com desenvoltura, tentando transcrever textualmente o que me foi transmitido ao longo da infância e juventude. Quando na reunião familiar de consoada em casa dos meus avós paternos com essa mesma idade eu fazia de uma frita concertina, convidando todos a cantar comigo e dava por alguém que parasse de cantar, logo os interpelando: canta pai, canta mãe, canta avó, não estaria já a demonstrar os meus dons de trovador? Por certo que sim. E se registo houvesse destas primeiras façanhas, os setenta de idade quase que se confundiam com outros tantos anos de poesia. Mas vou mais longe. Minha mãe, pelos relatos que fui colhendo ao longo da vida, era uma moçoila sadia, folgazona, danada para a folia, para o bailarico e para a cantoria. Ainda não tinha feito os vinte quando me deitou ao mundo, por certo a toque de caixa e logo embalado pela sua melodiosa voz. Tão bem cantava e improvisava ela, sempre que a letra original da canção lhe escapava! Com estes antecedentes todos, fosse por força hereditária, fosse por inconsciente retenção dos acordes ouvidos, fixados e quiçá com eles fazendo coro ainda no quente e jovem ventre materno, não me custa aceitar que trovador me tornei ainda antes de nascer, trovador desde o primeiro instante de vida, trovador cresci, a trovar vivi e, já agora, a trovar desejo morrer, em beleza, reconfortado e ungido pela poesia. E, se possível, daqui a muitos e bons anos, só quando já mais não puder viver. Mas ainda será cedo para falar do futuro e tarde para falar do passado de que não tenho memória. Falarei, por isso, apenas destes sessenta anos de poesia de que guardo memória e registo.
Aqui vai a primeira manifestação poética deste não direi nem grande nem pequeno poeta, mas sim deste amante e cultor, pelo menos há sessenta anos, desta minha antiga e apaixonante companheira a que ouso, convictamente ouso, apelidar de poesia.


TENTAÇÃO


Eu fiz coisas de uma vez
Ou coisas que o demo fez
Em cair na tentação
De roubar cinco tostões
E disse para os meus botões:
Olha que foste ladrão!

Eu caí na esparrela
De saltar pela janela
Para a minha mãe não me ver
Mas deixei rastos na sala
Ficou meia aberta a mala
Tudo se veio a saber.

Os amigos me esperavam
E nem sequer se cansavam
De me empurrar para ir
De rebuçados comprar
O que há pouco fui roubar
E das mãos queria sair.

E lá vou, malgrado meu,
Pois minha mãe me bateu
Logo que a casa cheguei.
Já me tinha descoberto
Vendo o cofrezinho aberto
Que com pressa nem fechei.

Com o ar de fanfarrões
Entrámos com os cinco tostões
Já na mão vão a ferver
Perto da banca da loja:
- Dê-me rebuçados ‘Foja’,
Avie-se, quero comer.

Calhou dois a cada um
E não me ficou nenhum
Para comer em outra hora.
Pedi então aos amigos:
- Agora comprem os figos.
Mas eles… foram-se embora.

Dezembro de 1949

Quem tiver, como eu, alguma relutância em tomar esta peça como um poema, atente nos seus pormenores poéticos. Poéticos e pessoanos.
«O poeta é um fingidor», proclamou Fernando Pessoa. Reparem como eu, aos dez anos, já sabia fingir tão bem: o furto não foi de cinco, mas sim de vinte e cinco tostões. Acontece que o valor real ultrapassava as sete sílabas. De que se lembrou o embrião? Reduzir o valor, pois então! E assim se perdeu a alma, mas salvou-se a métrica. Para além de fingidor, manifesto-me aqui já como um grande inventor, senhor de grande poder imaginativo. Com efeito, o furto foi singelo, rápido e nada acrobático. Os vinte e cinco tostões encontrei-os eu sobre o aparador da cozinha, onde minha mãe os tinha deixado conscientemente e não por esquecimento como o tentador me sugeriu para me aliciar a pecar. E qual salto pela janela, qual quê! Saí pela porta, nas calmas. Que a minha mãe me bateu logo que a casa cheguei, lá isso, foi certo. E essa da sala e da mala e do cofrezinho é tudo pura invenção de uma imaginação precocemente delirante. E o resto também. Realmente real só o furto e a tareia mestra para que me ficasse de emenda. E ficou. Nunca mais roubei nada a ninguém. Bem pelo contrário. Toda a vida fui um perdulário, um otário, um anjolas nãos mãos dos vígaros. Aliás, como qualquer poeta, como qualquer sonhador que se preze.

domingo, 22 de novembro de 2009

AOS SETENTA SÓ SESSENTA DE POESIA

CONCELHO DE TABUAÇO



1 - Igreja Matriz

de CARRAZEDO

2-Cabeço das Pombas-Pinheiros

3 - Igreja Matriz de Pinheiros


aos sessenta

ainda se tenta
a mirífica euforia

a coporal sinfonia
aos setenta
só se senta
no sofá da sabedoria
no amado colo da poesia


É verdade! Dos setenta que já cá cantam, conto sessenta de poesia. Isto porque o primeiro poema de que hei registo data de Dezembro de 1949, tinha eu acabado de perfazer dez anos. Mais do que poema, caberia chamar-lhe primeira tentativa de um aprendiz de feiticeiro, de um atrevido poetastro de palmo e meio, mas atendendo à idade e demais circunstâncias, será de desculpar o atrevimento e perdoar a vaidade.
Se nos reportássemos aos primórdios em que manifestei, oralmente, os meus dotes de versejador precoce e ousado, teríamos de recuar pelo menos mais três anos.
Dos seis aos nove anos passei parte do Verões em Carrazedo
[1], onde nasceu minha mãe e onde viviam minha avó, minha tia Lucinda, minha tia Maria, meu tio António e meu tio Manuel. Por ali andava um mês e tal à rédea solta. Em casa da Tia Maria e do tio Artur, que tinham um filho, o primo Agostinho, da minha idade, é que eu assentava arraiais.
Carrazedo é um pequeno e sertanejo lugar situado a uns três escassos quilómetros da aldeia sede da freguesia – Pinheiros
[2] - de que aquele lugarejo é parte integrante.
A 16 de Setembro é a grande festa da paróquia, em honra de Santa Eufémia, a padroeira de Pinheiros, festividade popularmente conhecida como a festa da canalha.
Como acontece (acontecia, pelo menos, na época a que me reporto) noutras festarolas da região, na noite anterior montam-se as tasquinhas, à volta das pipas atestadas de vinho, colocadas em cima de carros de bois acabadinhos de chegar, vindas sei lá eu donde. Que nem abelhas atraídas por mel, logo um magote de homens se juntava no arraial da festa, para dois dedos de conversa, enquanto iam provando o vinho das várias tascas para avaliarem qual o melhor. O meu tio Artur era, verifiquei-o eu in loco e reiteradamente ao longo dos anos, dos mais assíduos. Todos os anos fazia questão de me levar consigo, apesar dos remoques da minha tia, até porque teve em mim, desde o meu primeiro ano por estas andanças, um cúmplice entusiasmado e à altura. Palavra puxa copo, copo puxa palavra cada vez mais animada, não tardava que os mais dotados para a cantoria entrassem em despique, ao desafio, acompanhados por alguma guitarra repentinamente surgida nas mãos do tocador, como que nascida do chão.
Gente rural, analfabeta até à medula, só o copito a mais lhe abria a boca e afinava a garganta. Com o meu copito no bucho para combater o relento da noite e assim entrar de corpo e alma na súcia, para espanto de todos, dei também em lançar a minha quadra que o silêncio da noite transformava em cantar celestial ao roçar as orelhas dos presentes. E riam, e puxavam por mim, e acicatavam, e davam-me corda e guita e eu a corresponder, à letra, para espanto geral e incontido orgulho do meu tio. E ai dele se no ano seguinte não levasse o poeta petiz.
Mas de tais quadras ditas de improviso nessas noites de descantes e guitarradas não me ficou o menor registo, pelo que não contam, apesar de, em bom rigor, ter sido aí e dessa forma que despontou e despertou esta minha queda para a trova.

[1] Carrazedo - O lugar de Carrazedo encontra-se implantado num outeiro que se ergue à beira da Estrada Municipal 514.O viandante que percorra as suas ruas pode apreciar a sua Igreja dedicada ao Salvador do Mundo, onde imperam os estilos maneirista, barroco e neoclássico. A sua fachada principal apresenta-se rematada com empena truncada por campanário. No seu interior destacam-se os retábulos do altar-mor e da capela de Nossa Senhora do Rosário, em talha dourada do barroco nacional, e que denunciam o início da transição para o estilo joanino. Conserva belos tectos de caixotões na capela-mor e na capela lateral, com pinturas retratando Santos e o Apostolado. Seguindo os diversos cruzeiros que compõem a Via-sacra de Carrazedo, o visitante passará pela seiscentista Capela de Nossa Senhora da Conceição, antecedida por um calvário, e que se localiza em frente da Quinta da Moita, hoje ligada ao turismo rural. Depois, mais perto da Igreja, poderá apreciar uma casa seiscentista com austera escadaria de granito ornamentada com volutas.·Seguindo um pouco mais em frente, até ao termo da povoação, no caminho que vai para Pinheiros, poderá parar e apreciar a pequena Capela do Senhor do Calvário e um singelo nicho que se implanta no seu terreiro.

[2] Pinheiros - À direita, ao fundo da encosta declivosa, corre o Rio Tedo. Mas ameniza-se o aspecto agreste e granítico da paisagem à entrada de Pinheiros, cujo casario mais antigo se abriga num resguardo de montanha, voltado a sul. Na praça central, há um esguio cruzeiro. O adro da Igreja, mais adiante, rodeia-se de belas casas de cantaria. A própria Igreja Matriz é de boa cantaria. A data inscrita no pórtico principal - 1719 - lembra obras importantes de reedificação, talvez as da sineira lateral. O altar-mor, de talha barroca (séc. XVIII), guarda uma bela imagem de Nossa Senhora com o Menino, a quem oferecem cordões de oiro e outros ex-votos. O tecto da capela-mor apresenta 20 caixotões pintados com figuras de santos. Stª. Eufémia é a padroeira.Em Pinheiros há um santuário rupestre chamado Cabeço das Pombas, um afloramento granítico onde podemos encontrar inúmeras gravuras pré-históricas de conotação simbólico-religiosa. Em Carrazedo, podemos ver a Capela do Nosso Senhor do Calvário e um nicho com um Sr. dos Aflitos, pintado numa cruz de madeira.Todos os anos o povo de Carrazedo ali vai em festa e carrega a imagem em procissão por um caminho de 600 metros até ao coração da aldeia onde está a Igreja, que vale a pena visitar. No sítio da Torrinha, há ainda a Capela da Nossa Senhora da Conceição, cuja construção teve início em 1679.
(CONTINUA)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

VELHAS HOSPITALARES

aparelho onde um paciente se deita e desliza canudo adentro para fazer TAC

VELHAS HOSPITALARES



Às seis horas acordei,
Às sete me levantei,
Às oito fui a correr,
Montado no meu carrinho,
Para me pôr a jeitinho
Para um exame fazer.
Como é que vai a moenga?
Isto evoluiu ou não?
Sempre a mesma lengalenga!
Sempre a mesma aflição!

Às nove horas fui chamado
E fui logo convidado
A uns copázios beber
Na companhia de duas
Inquietas catatuas
Que não me deixavam ler.
Pouco a pouco entrei na dança.
Depois de duas litradas,
Já era grande a festança,
Choviam as gargalhadas.

Apetece-me urinar,
Mas tenho de aguentar.
Já me estou a contorcer.
Jesus, se não me despacho,
Faço pela perna abaixo
E seja o que deus quiser.
Isto dizia a mais velha,
Que não retém as urinas,
Capaz de encher uma celha,
Dois baldes e duas tinas.

A outra não se ficou
Primeiramente mostrou
Um saquinho de receitas
Contou tintim por tintim,
Um rosário sem fim
De doenças e maleitas.
Eu, a querer ligar à terra,
Ia fingindo que lia
P’ra ver se daquela guerra
Ileso, escapulia.

Depois de duas litradas,
Cuecas meio molhadas,
Lá fui eu para o castigo.
Vale é que eu já sou craque.
Para mim fazer um TAC
É como comer um figo.
Custa é ficar em jejum,
Beber e não comer nada
De vez em quando mais um
Copo da tal xaropada.

Quando tudo acaba em bem
E não se fica refém
De algo que nos agonia,
Feito que está o exame
Já não há quem reclame,
Que ganho já está o dia.
Corri tudo a catapulta,
Se é que ainda me lembro,
Até fui marcar consulta
Pra o dia dois de Dezembro.

Até lá irei viver
Como quero e tem de ser:
Com confiança e amor.
Para morrer ainda é cedo.
Apesar de não ter medo,
Prefiro a vida à estupor.
Viverei quanto puder
Gozarei a vida a rodos…
E seja o que d(eu)s quiser.
Um abraço para todos.

André Moa

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

MAPA DO LOCAL PARA O ALMOÇO de Dez







Com dois cliques na imagem, poderão ver ainda melhor!
A ementa será:
Bacalhau com natas
Cozido à portuguesa
Saladas variadas
sobremesa
pão, vinho, refrigerantes e sobremesas

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

JUSTIÇA A METRO, AOS BOCHECHOS, A CONTA-GOTAS



JUSTIÇA A METRO, AOS BOCHECHOS, A CONTA-GOTAS
(Velhas à moda da Terceira)

Esta tarde, em pleno Metro,
Li no jornal Metro o espectro
Da «justiça» em Portugal.
Em pouco mais de uma linha,
P’ra grande tristeza minha,
Diz Luciano Amaral[1]:
Qualquer partido político
Está sujeito a chantagem.
Acrescento eu ao crítico:
É fartar, ó vilanagem!

Tal chantagem vem de onde?
E Luciano responde:
Da imprensa e magistrados,
Dos arautos da verdade,
Da justiça, da equidade.
E nós leitores espantados.
Se a verdade e a justiça
Andam assim conluiadas
Apetece vê-las – chiça!
No banco dos réus sentadas.

Revelam coisas obscuras
Mesmo não sejam seguras
As fontes de informação.
Sem pudor, alto e bom som,
Distinguem-nos logo com
Medalha da corrupção.
Se o que ele diz é verdade,
E eu acredito que sim,
Penso eu, contra a vontade,
Que isto está mesmo ruim.

Se a justiça e a verdade
Mentem com tanto à-vontade,
O que se pode esperar
Dos bandidos, dos corruptos,
Gananciosos e brutos,
Que pensam só em roubar?
Vivem bem, à tripa forra,
Com total desfaçatez,
Sem que uma cachaporra
Lhes parta as costas, de vez.

Por isso intrigam, baixinho:
Se me fizeres um jeitinho,
Dar-te-ei um bom jarrão.
P’ra quê andar triste e nu,
Se posso encher o baú
E ganhar mais um milhão?
O pagode português
Julga-me herói, bestial,
Por eu sacar mais num mês
Que um juiz e um general.

Meu caro, viver não custa.
Só a honradez me assusta,
Nunca deu p’ra enriquecer.
Que fique a honra com os pobres,
Que eu cá prefiro uns bons cobres
E ver a conta crescer.
Não tenhas medo de nada!
As malhas da lei estão rotas,
A justiça está parada,
Só age a conta-gotas.

Mete lá a cunha, parceiro.
Não te faltará dinheiro,
Serás bem recompensado.
Avança, não tenhas medo.
Guardado está o segredo
Num cofre bem recheado.
Não há nada que me trave,
Comigo ninguém se meta!
Eu não paro. P’ra mim, grave
É não atingir a meta.

Se houver algum azar,
Quem me irá incomodar?
O dinheiro tapa tudo!
Tenho a rede bem montada,
A jigajoga oleada
E com rodas de veludo.
P’ra fugir ao prejuízo,
Seja na banca ou sucata,
O que importa é ter juízo,
Ter olho fino, ser rata,

Eu estou bem escudado!
Não fiques preocupado!
Avança, pois, bom amigo!
Toma lá um presentinho!
Só te peço um jeitinho
E deixa o resto comigo.
Basta uma palavrinha,
Basta-me um salvo-conduto.
A acção será toda minha.
Vai por mim, que não sou bruto.

A justiça? Esquece isso!
Quem a vê? Levou sumiço!
Caiu à rua, morreu.
Quem é que ainda acredita
Nessa coisa esquisita?
Não acreditas? Nem eu.
Ainda haverá alguém
Que tema os tribunais?
Não eu, por certo Ninguém,
Nem a Tê vê, nem jornais.

Hoje o grande tribunal
No reino de Portugal
Capaz de botar sentença
Mora na televisão
No café, junto ao balcão,
Ou sai das mãos da imprensa.
Ai do que for apanhado!
Vai ser tratado por urso,
Fica logo condenado…
E sem direito a recurso.

Quem é que ‘inda liga às leis?
Os decretos são papéis
Muito fáceis de rasgar!
A «justiça» é uma nojenta
Engrenagem ferrugenta.
Já não é capaz de andar.
Era cega, hoje é coxa,
Perdeu credibilidade,
A sua espada é tão frouxa!
Já não defende a verdade.

O mal já vem de raiz.
Vê tu só, hoje um juiz,
Parece um mixordeiro.
Não tem modos nem recato.
Discute num sindicato
Como qualquer calceteiro.
Faz do cargo profissão,
E já não consegue ver
Que tem por nobre missão
A Justiça defender.

Um delegado é parecido.
Em vez de ser comedido
No que faz e no que diz,
Pouco age, pouco escuta,
Entra na liça, na luta
Dos media, com o juiz.
Chega mesmo a parecer
Que travam luta de galos.
E quem os irá deter?
Alguém se atreve a calá-los?

Hoje, os senhores magistrados
São vulgares e descuidados
No vestir e no falar.
Gostam é de dar nas vistas,
Dar palpites, entrevistas,
Tudo menos trabalhar.
O que eles mais pretendem
São dois mesinhos de férias,
Só a si eles defendem
Com firmeza. O mais são lérias.


Órgãos de soberania
Portam-se, no dia-a-dia,
Eles que até ganham bem,
Como qualquer fraldiqueiro
Que só pensa em dinheiro,
Em prosápia, em vintém.
E são estes, ó parceiro,
Quem nos iriam julgar
Se eu não tivesse dinheiro
P’rá manigância tapar?

Claro que há excepções,
Quem não puxe pelos galões
Nem venha p’rá praça pública.
Há muitos que em bom recato
Julgam bem, têm bom trato,
Enobrecem a república.
Não te esqueças do chavão
Que todo o jurista emprega:
Não há regra sem excepção;
A excepção confirma a regra.

Mesmo esses tais, onde estão?
Pergunta-se a multidão
Ao sentir-se insegura,
Ao ver a justiça amada
Tão maltratada, arrastada
Pelas ruas da amargura.
E lá diz a velha praga:
O mal feito por um estupor
Quem o sofre? Quem o paga?
O justo pelo pecador.

Isto terá solução?
Desconfio bem que não.
Por isso, amigo, avance.
Actuemos, sem alarde,
Depressa, que se faz tarde.
Não há que temer, descanse.
E se houver algum azar,
Cá estou eu pró defender
Comigo pode contar
Para o que der e vier.

Por isso, compadre Chico,
Esperto é quem fica rico
Como eu, do pé p’rá mão.
Deixe ladrar os jornais,
Demorar os tribunais
P’ra gáudio da multidão.
A multidão aprecia
(como eu temo a multidão!)
Só quem lhe dá, dia-a-dia,
Circo, palhaços e pão.

E que se lixe o país!
Com dinheiro, é-se feliz
Aqui ou na Cochinchina.
Viva a santa corrupção
Que nos rende um dinheirão.
Mas que filão! Mas que mina!
Quero repartir consigo
Esta mina, este filão.
E seja, compadre amigo,
Tudo a bem da nação.

André Moa



[1] Luciano Amaral – Professor da Universidade Nova de Lisboa e autor do texto lido no jornal Metro. Rezam assim as partes do texto por mim utilizadas: «O sistema político português não vive os seus melhores dias. A afirmação não surpreenderá muita gente, mas talvez a gravidade da situação mereça ser sublinhada. Neste momento, não há nenhum partido político, excepto aqueles que nunca participaram no poder (o BE e o PCP), que não esteja sujeito à chantagem de magistrados e imprensa através da revelação de qualquer história obscura. De facto, BE e PCP, muito provavelmente apenas por não terem participado no poder (e penas por isso) ainda não foram distinguidos com a medalha da corrupção. O significado disto é evidente: a política está paralisada, o que se vê muito bem no caso deste Governo. Sem maioria absoluta, ameaçado pela revelação homeopática de sucessivos aspectos sórdidos dos «casos» Freeport e Face Oculta, pouco ou nada poderá governar. Historicamente, quando sucedia este tipo de paralisia, o regulador do sistema (para o mal e par o bem) era o Presidente. No entanto, o actual Presidente, depois da agora famosa e trágica alocução ao país, colocou-se numa posição particularmente difícil (quando tinha todas as condições para não o fazer)). Na semana passada, o Presidente Cavaco conseguiu o feito extraordinário de aparecer com uma cota de popularidade inferior à de um líder partidário…Se não tivesse desbaratado este capital, actuando de forma que deu a entender que poderia ser um destabilizador irresponsável do regime….Por agora, anda apenas a tentar salvar-se e esperemos eu não que não chegue a extremos para o fazer. A questão, para quem olha desconsolado para o espectáculo diante dos seus olhos, só pode ser uma: como sair daqui? Não está fácil. E, entretanto, poderá mesmo piorar.»
Entretanto, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (representante da suprema instância judicial, do supremo e último defensor da justiça, propalou, alto e bom som, que as coisas se estavam a passar aos bochechos, que as certidões sobre cuja legalidade e validade lhe cabe decidir, estão a ser remetidas a conta-gotas. Onde isto chegou! E, segundo Luciano Amaral, «poderá mesmo piorar».

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

JUSTIFICAÇÃO E GÉNESE DE UM PSEUDÓNIMO

A bailarina Laura na Fonte da Moa
foto de Osvaldo Ribeiro



JUSTIFICAÇÃO E GÉNESE DE UM PSEUDÓNIMO*


Chamo-me André Moa. Sou o alter-ego do José Guilherme Macedo Fernandes, um cidadão do mundo, nascido em Tabuaço, Alto-Douro, Portugal. Um cidadão do mundo, sem dúvida, mas com as raízes bem firmadas no torrão que lhe deu vida. Tabuaço é o centro do seu e do meu mundo, feito de vários círculos concêntricos. As nossas grandes referências foram e continuarão a ser, para todo o sempre, a região do Douro Vinhateiro e, muito em especial, o Concelho e a Vila de Tabuaço.
O José Guilherme cedo sentiu um forte apelo para adoptar um pseudónimo literário. Ensaiou vários, antes de me escolher a mim. Desejou sempre que tivesse a ver com a sua região, com as suas origens. Chegou a pensar em José Riba-Douro. Pô-lo de parte, por o considerar algo aristocrático, pomposo de mais para o seu gosto e para a sua maneira de ser e de estar na vida. E que tal José Rabelo? Demasiado circunscrito, algo fechado, pouco musical, sendo certo que a música para o José Guilherme é a arte por excelência, até por à música se encontrar muito irmanada a poesia. Por que não José Távora? Távora, o rio que banha os pés de Tabuaço e que o José Guilherme muito calcorreou na infância e na juventude. Távora, freguesia, a terra natal do seu avô paterno. Seria interessante, não fora a imediata conotação com os Távoras, os senhores e donos de meio Portugal, até serem dizimados pelo Marquês de Pombal.
Eis senão quando lhe surge a ideia de me formar, de constituir o pretendido pseudónimo, a partir da palavra Moa. Ribeiro da Moa, nome do riacho e do vale contíguo à vila de Tabuaço, hoje urbanizado, constituindo parte integrante do povoado que por ali pôde e deu em expandir-se. Ribeiro da Moa que tanto povoou a sua infância e o seu imaginário. A tendência hoje vai no sentido de se falar na Moa e já não no Ribeiro da Moa. É natural. O asfalto transformou o caminho do Ribeiro da Moa numa avenida. O casario cada vez mais esconde aquele estreito curso de água. O bulício próprio de uma zona urbanizada, percorrida de automóvel e cada vez menos a pé ou a cavalo como outrora, abafa o doce cantar das águas do manso ribeiro que por não ser tão visível e audível vai sendo cada vez menos lembrado. José Guilherme e, por certo, todos os da sua geração, não o olvidarão nunca, Foi no tanque do Ribeiro da Moa que sua mãe e muitas outras mães lavaram, coraram e secaram os cueiros dos seus filhotes.

Dorme, dorme, meu menino,
Que a tua mãe te abençoa.
Foi lavar os cueirinhos
Lá pró Ribeiro da Moa.

No Ribeiro da Moa apanhou o José Guilherme muita chuva, muito sol, muitos figos, muitas uvas, muitas ameixas e nabos, espalhou muito estrume, rapou e abriu muitos regos, semeou (dizia-se semear em vez de plantar), esterroou, sachou, regou muitas batatas. E mondou trigo. E tratou do cebolo e dos feijões. E da vinha. E dormiu muitas noites de Verão numa casinha de arrumações, para virar a água, por volta das quatro da manhã, para o tanque do prédio que seus pais traziam de meias. E bebeu muita água do caleiro que deitava para o tanque onde as mulheres lavavam o enxoval, constituído pelos trapinhos com que cada família ia tapando o corpinho e encobrindo as “misérias”. E tudo isto dos cinco aos doze anos. Depois “fugiu”. Tornou-se fidalgo. Fidalgo, mas nunca fidalgote. Foi estudar. Só que nunca renegou, antes sempre engrandeceu e acalentou um grande amor pelas suas raízes a que ainda hoje procura ser fiel e reconhecido.
No Ribeiro da Moa cresceu, se formou, física e psicologicamente. Assim se compreenderá a sua ligação telúrica com Tabuaço, nomeadamente com esse rincão, esse pedaço de verde cuja designação lhe foi emprestada pelo ribeiro que o banha, o atravessa e lhe dá a frescura e o viço.
Ribeiro da Moa. Da Moa, porquê?
O ribeiro corre, canta, sente-se, ouve-se, frui-se, dessedenta campos, animais e gentes. Desconheço, sim, o porquê da Moa. Quando não se sabe, inventa-se. Da moa. Alguma moura (moura – moabita – moa) que por ali andou, viveu, penou sofreu de amores por algum cristão – qual outra Adringa – e que por isso viu derramado o seu arábico sangue no ribeiro que por ali passa desde o dealbar dos tempos?
O que nos dizem os dicionários? Do Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo colhe-se apenas isto: “Moa (ô) s. m. Zool. Pássaro gigante da Nova Zelândia”. Não é crível que um destes pássaros dos antípodas tenha trespassado o mundo ou sobrevoado tantos céus até pousar e fazer ninho naquele pequeno se bem que paradisíaco recanto e assim baptizar o ribeiro da moa. Acresce que o moa pássaro é masculino e a moa do nossos ribeiro é feminina. No Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado – Sociedade de Língua Portuguesa – para lá do Moa1 (o tal pássaro gigante) encontra-se “Moa2, s. f. Bot. Erva de pastagens, originária da Hungria//o mesmo que milho painço, nome vulgar de erva anual da família das gramíneas. É originário da Ásia e cultivado em Portugal, principalmente no Norte”. Teríamos, então, o Ribeiro da (erva) Moa, a tal gramínea também conhecida por milho painço. Parece-me razoável.
Quer uma quer outra proveniência nos agradam. A mim, André Moa, e ao José Guilherme que, por tudo isto que aqui fica dito, me criou. Em mim se fundem e confundem os dois sentidos de moa. O masculino e o feminino, o x e o y, o ser humano no seu pleno, a humildade do milho painço e a altanaria da ave sedenta de inatingíveis altos e sonhados céus.

André Moa

* Aos meus amigos, a todos os visitantes deste blogue, muito em especial aos que participaram no passeio de meados de Setembro passado por terras de Tabuaço e já provaram da deliciosa água da Fonte da Moa.
 
Que cantan los poetas andaluces de ahora...