AS VELHAS - GUERRAS DO CAVACO E DA LAGOSTA

Desculpem introduzir na "dança" - que tenho preparado, seguido e mantido com muito interesse, agrado e atenção, qual tia sentada à volta do salão onde decorre o bailarico, a função - a brejeirice que se segue.
Servirá para desanuviar um pouco o ambiente carregado de dor, amor, sabença e profundidade, e para desta forma singela prestar a minha homenagem aos ilustres visitantes do meu blogue, que fazem o favor de, para além de aturarem as minhas diatribes, ser meus amigos. As velhas são uma moda da Ilha Terceira. Brejeira, atrevida, picante quanto baste, é geralmente cantada ao desafio nos arraiais, onde de forma engraçada, se vão cantando as agruras e as alegrias da vida.
Um abraço para todos.
P.S. O cavaco é um marisco (o grande dicionário da língua portuguesa apresenta-o como «peixe do mar dos Açores», primo afastado da lagosta, meio adocicado, sensaborão, apanhado com frequência no mar dos Açores. Há quem goste: Eu prefiro, de longe, a lagosta. Só que esta é muito mais cara. Por isso, à falta de melhor, lá se vai trincando o cavaquinho de vez em quando. Que remédio!
AS VELHAS
GUERRAS DO CAVACO E DA LAGOSTA
(à moda da Terceira)
Há um marisco no mar
Que só serve para enganar
Os incautos e glutões.
Há quem diga que até gosta
Mais dele que de lagosta,
Mas nada de confusões.
Só quem tem gosto estragado
Ou quem delire de febre
Se sentirá confortado
A comer gato por lebre.
Agridoce, meio insonso,
Cara de pau, olhar sonso,
Quem havera de dizer
Que viria a ser proposto
Como prato de bom gosto
Para em Belém se comer.
A quem aprecia e gosta
De produtos a pataco
Direi que meia lagosta
Vale mais que um cavaco.
Baço, obscuro, opaco,
Foi sempre assim o cavaco,
Marisco sensaborão.
Quando se sente acossado
Tenta passar disfarçado
Ou se arma em sabichão.
Petulante, sem estofo,
Um convencido de truz.
De pensamento balofo,
Mestre em criar tabus.
O cavaco, vejam bem,
Deu em pensar que em Belém
Tinham montado um radar.
Que escutem algum segredo
Que não queira revelar.
Eriçado, entrou logo,
Contra todos em disputa
E a largar forte fogo
Contra os filhos da escuta.
A lagosta, avermelhada,
Afirmou não haver nada
Mas sempre lhas foi cantando:
Cavaco, toma juízo
Senão - sou eu que te aviso -
És cozido em lume brando.
Cavaco baixou a crista,
Acabou por afirmar
Que a lagosta sacrista
Voltasse a governar.
E ela vai governar,
Já se habituou a mandar
Seja nos ares, seja em terra.
No mar então nem se fala!
Se quiserem apanhá-la,
Vão ter luta, vão ter guerra
Do alecrim, da manjerona,
Do cão, do gato e do rato,
Guerra da uva mijona
Que se vende ao desbarato.
Meus senhores, dêem-se bem!
Cavaco, vá para Belém,
Onde é apreciado!
Lagosta, vá para São Bento
Que é santo de sustento
E de gosto requintado!
Se cada um no seu posto
Não cuidar da sua vida,
Ou o cavaco é deposto
Ou a lagosta é comida.
FIM