
DE PRETO VESTIDO
Em meados do mês de Agosto do ano passado, uns dias antes de partir para férias, recebi um e-mail do meu amigo André Moa a desafiar-me para um projecto. Para eu ter uma ideia do que era, enviava-mo em anexo. Eu parti do princípio que o anexo era o modelo do projecto e a explicação daquilo que ele pretendia, mas deixei a tarefa de o abrir para mais tarde. Como andava bastante ocupada com outras coisas, respondi imediatamente que sim, que contasse comigo.
O meu raciocínio é sempre este: se um amigo me convida para participar em alguma coisa é porque reconhece em mim capacidade para o fazer. Perante esta evidente prova de confiança, acho que nunca devo defraudar as expectativas de quem acreditou em mim. Por outro lado, também acho que mesmo que o desafio seja difícil, o mérito está em conseguir superá-lo. Sempre me dei bem com a máxima de que nada na vida é impossível.
Guardei o anexo na minha "pen" e levei-a comigo de férias. Passados dois dias, abri-a para saber em pormenor o que me esperava. O documento chamava-se "A Preto e Verde".
Lendo-se o que o André Moa explica no texto introdutório “Foi Assim”, percebe-se a escolha deste título para um texto escrito a duas mãos, por dois poetas que se irmanam no que toca "ao político, ao social, ao amor à arte, à literatura, à verdade, à frontalidade, ao despojamento, à falta de ambição, ao amor ao próximo e ao afastado, ao espírito de solidariedade". É caso para dizer que é muito mais aquilo que os une, porque o que os separa é tão só a posição dos pólos de onde olham o mundo.
E foi assim que o desafio me chegou às mãos: a preto e verde, com mais a tonalidade do Osvaldo, a que nem o pai nem o padrinho atribuíram nome. Percebi depois o motivo por se terem ficado por ali e fechado o leque das cores.
Como se pode constatar, seis pessoas passaram a constar de um projecto que nascera a uma voz – a do Ernesto - e, rapidamente, se transformou num coro. Aquilo que começara por ser um contraste de duas cores, ganhou a harmonia dos tons do Outono que se apresentam numa variedade que ora parece esmaecer, ora se apresenta no vivo mais vibrante da paisagem. Contudo, tentar atribuir uma cor a cada um de nós, seria exigir demasiado de qualquer imaginação. Seria bem mais fácil encontrar algo que nos unisse e esse foi o caminho escolhido. Somos seis, todos naturais de Tabuaço, concelho situado na região do Douro vinhateiro. Por isso, o Ernesto Leandro e O André Moa, inspirando-se no universo do humor britânico, decalcado da comédia da década de 60, "O Quinteto Era de Cordas" - filme recheado de mal entendidos, trocadilhos e confusões -, criaram o título "O Sexteto Era Douro". Em jeito de provocação, eu ainda sugeri que, se a obra quisesse vender, o melhor seria chamar-lhe "Cinco homens e uma mulher". Apesar de toda a sua loucura saudável, o Moa teve o bom senso de não me dar ouvidos.
À custa deste trabalho já dei muitas e boas gargalhadas. Algumas, ligadas ao que li e escrevi; outras, motivadas pelo mal entendido a que deu origem.
Eu continuo a ter necessidade do papel para me inspirar. No entanto, sempre que se trata de imprimir qualquer coisa com mais de 20 páginas, considero que é muito mais prático, rápido e barato, copiar para uma "pen" e levá-la a uma gráfica. Nesse dia, porém, não fui eu a fazê-lo. Pedi ao meu marido que lá fosse, tendo tido o cuidado de escrever num papel autocolante o nome do documento. Ele entregou-a e ausentou-se o tempo necessário para que fizessem a cópia. Entretanto, tocou o telefone. Depois de nos termos identificado, foi-me posta a questão:
- Minha senhora, ficou aqui uma "pen" para copiar um documento, mas eu vejo aqui tantos e não sei qual deles é.
Expliquei-lhe que se chamava "A Preto e Verde" e ele rapidamente o encontrou, com um sonoro "Aqui está!". Voltei ao que fazia, quando o telefone voltou a tocar. A mesma voz:
- Desculpe lá, minha senhora, mas nós aqui, para além de não fazermos trabalhos a cores, muito menos imprimimos a preto e verde. Se a senhora quiser só a preto, tudo bem...
Eu nem queria acreditar que alguém pudesse confundir o título de um documento com as cores da impressão, mas há que estar atento às diferentes interpretações que a língua permite. Contendo o riso, disse-lhe que avançasse, que imprimisse a preto.
Ora aqui está como o que nasceu de preto vestido, depois de se ter fantasiado da variedade das cores das ideias dos participantes, se viu devolvido ao negro inicial, por obra e graça do empregado de uma gráfica.
Aida Baptista
NOTA – Com este texto introdutório, acabam-se as entradas. Significa que para a próxima, começarão a ser servidos os pratos fortes do dia. Portanto, podem começar a pedir, a rogar: os pratos de cada dia nos dai hoje.
André Moa