MANIFESTAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE

Escrevi há anos no epílogo do meu livro Mau Tempo no Anal – diário de um paciente:
«Há quem se preocupe em vida com a sua morte, com os detalhes do seu funeral, adquira, ainda vivinho da costa, o caixão e o guarde debaixo da cama ou atrás da porta. Há quem deixe, como manifestação de última vontade, ordens e rogos sobre o seu próprio féretro… que os familiares se esfarraparão por cumprir».
«Sobre este assunto (acrescentei eu, então) penso o seguinte: depois de morto, cevada ao rabo, façam de mim o que quiserem. Era o que faltava: pretender impor as minhas ideias mesmo depois de morto! Concedo a quem tiver que fazer o frete de tratar do meu funeral inteira liberdade de decisão. Tanto me faz ir de burro, como de cavalo, vestido ou nu. Tanto me faz apodrecer numa valeta, como num mausoléu. É-me indiferente (depois de morto tudo me será indiferente) ser enterrado ou cremado…»
Há dias encontrei na caixa do meu correio eletrónico um FW que teve o condão de me fazer mudar de ideias.
Sob o título «Humano transformado em diamante», resumidamente, o tal FW rezava assim: «Que macabro! Agora a moda é, em vez de ser enterrado ou cremado, virar diamante após a morte.»
E após este introito «macabro» (?), lá vinha a saborosa notícia:
«Por alguns milhares de euros e graças a uma sofisticada transformação química, uma empresa suíça agora garante ao falecido reservar seu lugar na eternidade sob a forma de um diamante humano…»
«Quinhentos gramas de cinzas bastam para fazer um diamante, enquanto o corpo humano deixa uma média de 2,5 a 3 kg, depois da cremação» explica um dos co-fundadores do laboratório onde as máquinas funcionam sem interrupção 24 horas por dia. Ou seja, cada defunto pode gerar uns 5 diamantes, ou mais. Dá para distribuir por toda família».
«Os restos humanos são submetidos a várias etapas de transformação. Primeiro, viram carbono, depois grafite. Em seguida são expostos a temperaturas de 1.700 graus, finalmente se transformam em diamantes artificiais num prazo de quatro a seis semanas. Na natureza, o mesmo processo leva milénios».
«Cada diamante é único. A cor vai do azul-escuro até quase branco…. Uma vez obtido, o diamante bruto é polido e talhado na forma desejada pelos familiares do falecido, para depois ser usado num anel ou num cordão».
Com uma boa dose de humor macabro (?), o referido FW interpela o leitor da seguinte forma:
«Já pensou poder levar o seu ente querido, depois da morte, num colar ou num anel? Se perguntarem pelo falecido, vai poder dizer: 'Ele é uma jóia'.
Se roubarem o diamante, vai ter que gritar: 'Roubaram o defunto, pega ladrão'!
A notícia termina informando:
«A indústria do 'diamante humano' está em plena expansão, com empresas já instaladas em Espanha, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos».
Tomei conhecimento desta novidade e, acreditem, fiquei radiante. Tão radiante que me levou a alterar a minha primitiva posição. Apresso-me pois a manifestar a minha última vontade sobre a matéria:
Quando eu morrer, “não quero choro, nem vela…”, quero, sim, tornar-me num belo diamante. Mais: como sou alto, logo, de ossos compridos, talvez eu possa fornecer matéria-prima para vários diamantes. Pode ser que assim, eu que, em vida, não fui mais que pragana e joio, me transforme, depois de morto, em atraente e cobiçada joia, em cristalinos e reluzentes quatro ou cinco diamantes, garantindo assim um futuro risonho para o meu neto. Quem sabe? Pelo sim pelo não, nem que seja preciso, para tanto, uma subscrição pública para tão desejada transformação, aqui deixo bem expresso este meu veemente desejo. Cumpra-se. Segue-se a assinatura ilegível do «de cujos».